31 julho 2007

Surpreendente.

dos quatro costados

Quando Descartes declarou que a partir daquele momento ele não iria acreditar em nada que não pudesse ser demonstrado pela sua própria razão, tornando-se o pai do racionalismo, dos philosophes e da ciência moderna, foi um grande momento na história da civilização cristã. Pela primeira vez, uma grande civilização na história da humanidade tinha habilitado o homem comum a pensar pela sua própria cabeça.

A humanidade cristã entrou, então, numa idade da qual, na sua maioria, nunca mais se libertou, e uma idade de perpétua criancice - a idade dos porquês: "Mãe, porque é que os pássaros têm asas?", "Pai, porque é que usas gravata?". As primeiras vítimas do racionalismo cartesiano foram a religião, a cultura e mais geralmente o passado. Descartes, que foi um homem viajado, apercebeu-se que os costumes, a religião, enfim, a cultura de um povo influenciavam decisivamente a forma como as pessoas pensavam. Na sua ânsia de chegar a uma razão universal, a cultura e o passado tornaram-se os principais inimigos a abater.

Descartes é o primeiro construtivista e o pai de todos os construtivistas, o homem pronto a deitar abaixo tudo aquilo que é herdado do passado e a construir de novo o homem e a sociedade a golpes da razão humana. Porém, este racionalista dos quatro costados, nunca se questionou como é que a humanidade passada, que ele tanto desprezava, tinha conseguido chegar até ele em condições razoáveis de sobrevivência e até de prosperidade. Se o tivesse feito, talvez ele tivesse descoberto que as crenças que ele considerava irracionais eram, em muitos casos, perfeitamente racionais, e sem elas, não apenas ele nunca teria existido, mas a humanidade, ela mesma, há muito que se teria extinguido.

o bezerro de ouro

Defender a democracia como valor fundamental das nossas sociedades, não obriga a aceitar acriticamente todos os seus resultados e, sobretudo, todas as interpretações que dela são feitas.

Como aqui tenho vindo a defender desde sempre, um pouco, de resto, na linha hayekeana explanada no The Constitution of Liberty, a democracia é, antes de mais, um método de designação política. Reconheço, todavia, que ela se transformou num valor político e moral, ao garantir a paz e a igualdade dos cidadãos no processo de escolha dos governantes.

Muito diferente disto é aceitar-se como corolário da universalidade do sufrágio a legitimidade infinita e não limitada dos governantes eleitos. Essa é uma outra e muito diferente questão, que envolve o modo de exercício do poder e não o modo de designação de quem exerce o poder.

Daí que, em defesa da liberdade e da democracia, os liberais devem criticá-la em tudo o que dela possa decorrer como ameaça aos valores fundamentais de uma sociedade livre. Isto não envolve qualquer proposta no sentido de a modificar noutra coisa qualquer, menos ainda de a substituir por métodos autocráticos, mas pretende apenas impedir os abusos que o poder comete em seu nome. Para isso, há que manter o espírito crítico e não recear a crítica às suas instituições. Porque, transformar a democracia no novo bezerro de ouro do nosso tempo político, seria o pior mal que se lhe poderia fazer.

alguém acredita?


Aqueles autores, que nomeei em post anterior, e que são frequentemente considerados os mais ilustres representantes do liberalismo moderno, decidiram fazer ciência social omitindo deliberadamente de toda a consideração a única ideia de que não poderiam prescindir, aquela sem a qual nenhuma sociedade alguma vez existiu, a ideia cuja realidade está à vista de todos em cada aldeia, vila ou cidade de qualquer país do mundo, nas suas igrejas, nas suas capelas, nos seus santuários e na maior parte dos seus monumentos. Refiro-me à ideia de Deus.

Decidindo amputar a sociedade da ideia que a torna possível, e sem a qual nenhuma sociedade jamais existiu, eles ficaram escravos do seu próprio preconceito e acabaram a fazer ciência de uma sociedade impossível. Eu estou hoje, na realidade, convencido que o liberalismo daqueles autores, quando levado às suas últimas consequências, é uma utopia que conduz à violência. Que eles sejam tomados como os expoentes do liberalismo moderno não pode ser senão uma ironia.

Todas as sociedades exigiram um Deus, e uma sociedade liberal, essa, exige um Deus particular - um Deus benevolente, que queira igualmente bem a todos os homens, um Deus que seja Ele próprio livre e, portanto, um Deus que seja um juiz imparcial entre todos os homens e que possa, por isso, impor a cada homem a obrigação de não fazer aos outros aquilo que não gostaria que lhe fizessem a ele.

O Deus cristão satisfaz todas estas exigências, sendo capaz de assegurar, de forma benevolente, o ideal de justiça - que é imparcialidade - e protegendo cada homem dos abusos de todos os outros homens. Por isso, aos meus olhos, Cristo foi reconhecidamente o primeiro liberal e o ideal de liberdade é, em primeiro lugar, um ideal cristão. Pelo contrário, do Deus judaico - ou da ideia que os judeus têm de Deus - não se pode nunca esperar a liberdade - excepto para eles. Daí a minha desconfiança anunciada em relação ao liberalismo proveniente de autores de tradição judaica.

A Igreja Católica é talvez a única instituição na história da humanidade que procurou construir na Terra uma réplica humana de Deus, na figura do Papa. A empresa era de tal modo exigente que ninguém poderia esperar que ela se realizasse sem grandes dificuldades, muitos desvios, e enormes decepções. Porém, dificilmente alguém ousaria questionar a grandeza do ideal figurado no Papa - a sua bondade, a sua liberdade e a sua imparcialidade, a tal ponto que eu próprio já escrevi aqui que, se alguma vez fosse acusado de um crime que não cometi e me fosse dada a graça de ser eu próprio a escolher o juiz, eu não hesitaria na resposta - o Papa da Igreja Católica.

Este homem, representando Deus na Terra, é o homem mais livre do Mundo e aquele que em melhor posição se encontra para assegurar a liberdade. Compare-se o Papa com uma grande figura do Estado português, o Presidente do Tribunal Constitucional, de quem o Euroliberal, num comentário ao post os perigos da democracia diz que se tornou conhecido "por ter decidido que a imparcialidade de um tribunal não era um princípio absoluto (...) e que, portanto, um tribunal podia ser parte e juiz no mesmo processo".

Alguém acredita que, com uma cultura cívica e jurídica destas - em oposição à cultura religiosa do Papa -, Portugal alguma vez poderá vir a ser de novo um país de homens e mulheres livres?

responda quem souber

Em comentário ao meu anterior «post» «os perigos da democracia», Luís Bonifácio fez a pergunta que interessa fazer: «O tribunal constitucional é necessário? As suas funções não podem (ou deviam) ser asseguradas pelo Supremo Tribunal?» Por outras palavras: porque há-de a fiscalização da constitucionalidade dos actos políticos ser feita por um tribunal de nomeação partidária e parlamentar e não da carreira judicial? Responda quem souber.

30 julho 2007

os perigos da democracia

O Estado de direito democrático assenta em dois postulados fundamentais: a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos e a separação de poderes como forma de impedir a sua concentração e abuso.

Isso mesmo ficou consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, onde se lê, no artigo 16º, que «Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição».

Esta afirmação, desde essa data considerada pacífica e universal, significa que a Constituição é o instrumento fundamental de um Estado de direito democrático, e que é por sua via e por via da fiscalização efectiva da salvaguarda dos direitos que ela garante, que ela existe (ou não) materialmente.

Tendo em vista a fiscalização da constitucionalidade dos actos políticos, o mesmo é dizer, a garantia dos direitos individuais face aos abusos do poder político, os regimes democráticos desenvolveram um tipo de órgãos de soberania – os Tribunais ou Cortes Constitucionais -, que as próprias Constituições regulamentam. Tratam-se de tribunais especiais, com a finalidade exclusiva de apreciarem a constitucionalidade dos actos do poder soberano, assegurando, deste modo, a sua conformidade com a Constituição, os seus princípios e valores, e, portanto, os direitos fundamentais dos cidadãos.

Ora, isso implica que estes órgãos judiciais sejam, como o são todos os tribunais e o deve ser este, por excelência, dada a particular natureza da sua função de tutelar os actos políticos, um órgão completamente independente do poder político, quer no seu funcionamento, quer na sua composição.

Não foi essa, porém, a orientação do nosso direito, como não o é, diga-se em abono da verdade, doutros ordenamentos constitucionais. Sobre a composição do Tribunal Constitucional, determina o artigo 222º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa: «1. O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes». Por outras palavras: são os partidos políticos representados na Assembleia da República, donde emana o governo, que escolhem a esmagadora maioria dos juízes que fiscalizarão a constitucionalidade das suas decisões. De modo que, consoante as maiorias parlamentares, são mais ou menos previsíveis as orientações jurisprudenciais da Corte Constitucional.

Não desmerecendo a excelência, a idoneidade e a integridade pessoal e moral dos escolhidos, o Estado de direito democrático não tem que presumir essas ou outras virtudes dos seus servidores. De resto, foi exactamente por o não ter de acreditar, ou deixar de acreditar, na bondade natural dos homens que detêm o poder, que ele foi inventado. Caso contrário, não seria necessário.

É simples

"Mas por que carga de água é que ao Estado há-de interessar os disparates (religiosos) em que cada um acredita?", pergunta um comentador anónimo ao post essa Europa confessional.

Responde o Euroliberal:
"Os ´disparates´ religiosos em que a maioria da população acredita são uma argamassa moral insubstituível para a coesão e a paz sociais. Valem biliões de euros de poupança em matéria de prisões, de estabelecimentos para drogados, de subsídios de desemprego, de educação com condenados ao insucesso escolar, etc. Por isso, podem e devem interessar ao Estado e à organização deste. As sociedades ascendentes são profundamente religiosas, as decadentes, como a nossa, não. É simples."

de primeira

À revelia de muitos dos seus intelectuais - como aqueles que indiquei abaixo - os judeus criaram um Estado confessional onde, de acordo com os princípios da sua própria religião, eles se reservam o estatuto de cidadãos de primeira, atribuindo a todos os outros o papel de cidadãos de segunda.

conter esses abusos


No post esta Europa confessional eu contabilizava já em dez o número de países da Europa Ocidental que possuíam uma igreja oficial. Entretanto, o CN juntou mais um - o Lichstenstein - e o Euroliberal ainda outro - o Vaticano.

A principal vantagem de um Estado confessional é a de afirmar um código moral ao qual todos estão submetidos, a começar naturalmente, e para dar o exemplo, pelos representantes do Estado - os políticos e a administração pública.

Quando os políticos e a administração pública abusam os cidadãos, ainda que sob cobertura legal, existe então um código explícito de moralidade que os cidadãos podem invocar para conter esses abusos e, no limite, revoltarem-se contra eles. Foi assim que, ao longo da sua história, a Igreja Católica - e a religião em geral - serviu a causa da liberdade.

Porém, é interessante observar e deve ser motivo para reflexão que, depois da minha última actualização da contabilidade, os países da Europa Ocidental que não têm uma religião oficial são predominantemente os países de maioria católica, como a Espanha, a Itália, Portugal, a França, a Austria e até a Alemanha - embora aqui católicos e protestantes se encontrem numericamente empatados.

só houve uma

Ayn Rand, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Milton Friedman e Murray Rothbard têm sido por vezes considerados os autores liberais mais influentes das últimas décadas. Eram todos judeus, com excepção de Hayek.

Todos eles se revelaram agnósticos ou ateus, construindo as suas teorias da sociedade como se a religião não existisse. Hayek, o mais moderado de todos, acabou a eleger Lord Acton - o mais religioso de todos os liberais clássicos - como o maior de todos os liberais.

Na opinião deles, a religião era uma matéria da escolha privada de cada um e uma matéria para ser excluída da esfera pública da sociedade. Tirando Deus da esfera das relações sociais, eles atacaram-se depois ao Estado, o qual se tornou o seu alvo principal, advogando a sua redução e, no limite, a sua extinção (Rothbard).

No meu conhecimento, só houve uma nação que conseguiu sobreviver com um Deus retirado da esfera pública da sociedade, e sem um Estado - a nação judaica. Eu receio que qualquer outra que experimente fazê-lo, acabará na extinção.

conspiração

Deus sabe como sou avesso às «teorias conspirativas» da História e como me provoca repulsa a maior parte da literatura do género. Ontem, porém, numa livraria espanhola, não fui capaz de resistir e comprei, por uns absurdos 19,90 euros, uma coisa chamada El Gobierno Invisible – Think-Tank; Los hilos que manejan el mundo, de um tal Bruno Cardenosa, um rapaz talentoso com 34 anos e dez livros já publicados, que, pelos títulos, não devem desmerecer a minha compra.

A razão para a minha rendição foi simples, e resultou de uma leitura rápida do índice da obra e de algumas passagens que me pareceram, no momento, mais significativas. A leitura que fiz até agora, não desmereceu a confiança que nela depositei…

Vejamos se me consigo explicar. O autor, visivelmente de esquerda e sentimentalmente anti-americano, acha que existe uma macro-conspiração mundial fundada originalmente no pensamento de Leo Strauss (que, como é sabido, se inspira nos clássicos), na sua «doutrina da mentira» e na visão da sociedade em três grupos: o «vulgo», os «gentios» e os «sábios». O poder, o verdadeiro poder, será sempre exercido pelos últimos, que devem utilizar a mentira – a sua grande arte – para manipularem os indivíduos dos outros dois grupos. A formação intelectual dos «sábios» é feita uns pelos outros, através dos «think-tank» criados para esse efeito. Entre eles, a Rand Corporation, o Hudson Institute, o Cato Institute, a Heritage Foundation, a Freedom House, a Chatam House e, aquela que mais me entusiasmou, a Mont Pelerin Society. Acerca desta última, o autor garante tratar-se de «un thik-tank creado como matriz para los think-tanks», que «(…) se convirtió en outro de los mecanismos de impulso para los grupos que pretendem dirigir nuestras vidas desde las sombras». A origem de todo o mal, portanto... Sobre Hayek (o fundador da sociedade) e as suas ideias, escreve o indignado autor: «este cretino a quien vanaglorian casi todos los gobernantes del mundo occidental...»

Na aplicação destas nefastas doutrinas, os judeus são aliados evidentes. A quem, de resto, são prestados muito bons serviços, principalmente com a política norte-americana no Médio Oriente, sobretudo nos governos republicanos. O último, o de George W. Bush, foi, obviamente, um lapidar exemplo desta gigantesca conspiração strussiana-capitalista-judaica-liberal.

Estas ideias são perfeitamente discutíveis. Algumas delas têm sido resumidas pelo Pedro Arroja, para espanto e choque das boas consciências, sobretudo das situadas mais à esquerda. Curiosamente, a mesma esquerda que não se cansa de estabelecer elos sinistros entre Israel e os EUA, e a politica seguida pelos governos norte-americanos no Médio Oriente.

Por mim, que não descuro o poder e a influência dos lobbys e dos grupos de pressão na política, sempre me pareceram excessivas, por um lado, e muito redutoras, por outro, as teorias da conspiração. Sobretudo, quando enunciam explicações à escala global e com permanência temporal ilimitada, capazes de interpretar plenamente o passado, encontrar as «leis» da evolução histórica e com elas determinar o futuro. Considero-as, assim, a actualização moderna das teorias conspirativas da evolução da História, de Karl Marx, a pretexto das quais ele pretendia adivinhar a sua evolução. São, geneticamente, doutrinas de esquerda e historicistas (no sentido que Popper atribuiu ao «historicismo»). Não andam longe da astrologia (como Popper, de resto, considerou) e, por isso, a sua fronteira com o esoterismo é muito ténue, ou, às vezes, até mesmo inexistente.

29 julho 2007

queixa-crime

Paulo Macedo, o ainda Director Geral de Contribuições e Impostos, ter-se-á sentido ofendido com um e-mail que lhe foi enviado por Pedro Arroja e, vai daí, terá apresentado contra ele uma queixa-crime por injúrias. É um direito que lhe assiste, como a qualquer outro cidadão, diga-se.
Não conhecendo o teor do processo - em fase de inquérito, logo, em segredo de justiça -, ignoro o conteúdo das «ofensas». Conheço, porém, muito bem Pedro Arroja e não o vejo a ofender seja quem for, menos ainda de ânimo leve. Sei, contudo, que ele é um espírito livre, que não se inibe de dizer o que entende, e que continuará a fazê-lo, seja em que circunstância for. Nos dias que correm, as pessoas também se distinguem por aqui: as que têm e as que não têm medo. Arroja, definitivamente, não pertence ao segundo grupo e é também por isso que me honra a sua amizade.

Vira de breves sobre “intelligence” e “ignorance”


Será que sou só eu a estranhar a insistência do senhor Procurador-Geral, Pinto Monteiro, em procurar ocasiões para dar mostras de “plena confiança” à Drª Maria José Morgado, a senhora “todo-o-terreno”: do “Apito Dourado” à unidade de “intelligence” para o combate à corrupção, sem esquecer a CML?

O anterior foi acusado de falar demais, será que este vai acabar suspeito de procurar demais?

O Expresso noticiava: “Costa à beira de coligação com o BE”. A meu ver a notícia deveria ser antes: o “solitário” do BE finalmente deu à Costa.

Sabemos da grande ajuda à baixa do desemprego dada ao Governo pelos milhares de jovens que durante o consulado de José Sócrates têm vindo a atravessar a fronteira. Um versão actualizadas do “votar com os pés” de Albert O. Hirschman.
Também ficamos a saber que o devoto (da abstenção), José Saramago, quis ir mais longe. Daí a ideia de “junção” aos “hermanos”: a “unção” ficaria para mais tarde, para quando houvesse mais dinheiro…
Mas só esta semana ficamos a saber do último grito da engenharia geográfica, afinal Chaves fica no Minho. Há, de facto, cada vez mais gente em Lisboa que não atina com o Norte.
Só assim se compreende a notícia, feita toda a partir de Chaves – e de Feces, a 11km da fronteira, e da zona de Verín –, com o título: “Comércio minhoto muda-se para a Galiza (portugueses estão a instalar-se em Espanha para venderem presuntos, carros e gasolina a…portugueses)”
Quanto aos presuntos, tudo bem, mas que no Expresso, mesmo depois de na semana anterior nos terem presenteado com o mapa do distrito de Vila Real para os + novos, continuem a “presuntar” que Chaves fica no Minho, é muita ignorância ou falta de crianças que ajudem os pais.

esta Europa confessional


Eu escrevi no post anterior que na Europa Ocidental existia, pelo menos, um Estado confessional - a Dinamarca. O Gabriel Silva foi à caixa de comentários e juntou-lhe mais nove. E o Euroliberal rematou: "E queria esta Europa confessional que o Turquia fosse mais laica que ela..."

Eu sou de opinião que Portugal deveria voltar a adoptar o Catolicismo como religião oficial. Como solução para limitar o poder político, prevenir os seus abusos e defender os direitos dos cidadãos, esta é uma solução imensamente mais eficaz para a nossa cultura do que a adopção de uma Constituição, que é uma solução importada da América - embora as duas não sejam mutuamente exclusivas.

Os países nórdicos são frequentemente apontados como os campeões dos direitos humanos no mundo e aqueles onde os índices de corrupção são também os mais baixos do mundo. Na minha opinião, não é estranho a este facto que todos eles tenham uma religião oficial.



Existe



Existe na Europa Ocidental pelo menos um Estado confessional - a Dinamarca - possuindo uma igreja oficial - a Igreja Evangélica Luterana da Dinamarca.

27 julho 2007

Roberto Campos e o Estado - Babá

«As desigualdades inerentes à competição no mercado são muito mais benignas do que as desigualdades criadas em seu próprio favor pela burocracia socialista, cuja ineficiência detonou a implosão do Leste europeu.
Nenhuma forma de organização económica elimina as carências e a pobreza. O socialismo reduziu o tamanho do bolo, a pretexto de distribuí-lo melhor. Por outro lado, não faz parte do ideário liberal achar que o mercado tornou supérfluo o altruísmo, e esgota as nossas responsabilidades humanas de solidariedade. Não conheço um liberal que pense assim. Apenas os liberais suspeitam do «Estado-Babá», porque a burocracia é capaz de estragar tudo. Até mesmo a filantropia...»


Um texto com título muito actual - "Não é por aí..." - que tomo como singela homenagem a um grande liberal e distinto economista, diplomata e político brasileiro. Publicado em 27.VII.97, faz hoje dez anos, por Roberto Campos (1917-2001), na Folha de S. Paulo.

já basta você

Pela primeira vez nesta ilha portuguesa de 5 mil habitantes - 20 mil, dizem, nos meses de verão - passei a manhã à procura do Público e de uma clínica onde fizessem abortos gratuitos. Nem um nem outra.

Num caso, quando já me retirava desolado, julgo ter ouvido alguém dizer nas minhas costas. "Para aborto já basta você".

algum juízo


Durante o período do chamado liberalismo português, nenhuma geração de intelectuais foi mais influente do que a geração de 70. O programa das Conferências do Casino (1871) - também chamadas Conferências Democráticas para reflectir o espírito da época - era um programa verdadeiramente revolucionário. Ele propunha-se celebrar a democracia e revolucionar a sociedade, questionando as instituições, difundindo o espírito das luzes e entronizando a ciência contra a fé, defendendo as ideias socialista e também as republicanas - tudo isto com o propósito explícito de modernizar o país, apelando à sociedade civil e à opinião pública.

Vinte anos mais tarde, passado o fulgor da juventude, os líderes da geração de 70 tinham ganho algum juízo e eram agora adeptos confessos da monarquia - como Oliveira Martins, Eça de Queirós, Antero de Quental e, mais tarde, também Ramalho Ortigão. Assim, para Eça, "O Rei surge como a única força que no País ainda vive e opera" (1891) e a revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891 tinha sido, na opinião dele, um mero "furúnculo revolucionário".

Alguns dentre eles eram agora cesaristas convictos, a sua esperança na sociedade civil e na opinião pública para revolucionar o país tinha enfraquecido consideravelmente ao ponto de desaparecer. Assim, segundo Oliveira Martins, "Em sociedades que chegaram à dissolução da nossa, e que em tal estado se vêem a braços com a economia em crise, as revoluções, para serem fecundas e não serem mortais, têm de partir de cima. É isto que me sugere o aspecto desse rei [D. Carlos I], moço e infeliz, mas que da própria mocidade tem de tirar a força para salvar o reino dos seus avós, salvando-se a si próprio com a memória deles." (1892).


A sua confiança na democracia e no povo tinha dado lugar ao apelo à ditadura e à elite. Ainda Oliveira Martins: "Ce qu´il faudrait au Portugal, c'est la dictature d´un roi servi par des hommes capables: si cette hypothèse ne se réalise pas, ce n´est pas difficile à prévoir que (...) l´État tombera rapidement en décomposition" (1892).

Restará, talvez acrescentar, como se fosse surpresa, que todos estes homens da geração de 70 que tinham começado a sua vida como revolucionários genuínos, pondo em causa todas as instituições - e, em particular, o Estado e a Igreja - acabaram todos com empregos no Estado - a única excepção foi Antero - e, nalguns casos, como Eça, empregos que eram verdadeiros tachos.

sondagem

A sondagem TSF/DN/Marketest, hoje conhecida, revela que o Partido Socialista reforça a sua liderança com 44% das intenções de voto, que o Bloco de Esquerda passa para terceiro lugar com 9%, logo seguido do Partido Comunista com 8%, e que o PSD se mantém com 29%, em segundo lugar, mas muito atrás do PS, e o CDS desce um ponto, ficando-se nos 6% e em quinto lugar. A consolidação do BE é acompanhada pelo facto do seu líder ser o único com apreciação positiva.
Estes números, a revelarem as verdadeiras intenções de voto dos portugueses, têm um significado óbvio e preocupante para os partidos da direita: eles indicam que a esquerda consolidou três partidos com forte expressão eleitoral, por via do reforço da posição do PS no centro político, quiçá mesmo no centro-direita. O que poderá representar, pela primeira vez desde o 25 de Abril, uma transformação estrutural – e não meramente circunstancial -, do nosso quadro partidário, com graves consequências para a direita, que se vê incapaz de recuperar o centro mesmo em períodos de impopularidade governativa.

sondagens

Agradecemos aos leitores que participaram na primeira sondagem que editámos, perguntando se consideravam que o Portugal Contemporâneo tinha melhorado ou piorado com as recentes modificações. Os resultados foram-nos simpáticos: sim (29%); muito melhor (48%); não (6%); muito pior (14%); o número total de votos foi de 74.
Hoje propomos aos nossos leitores um novo tema: «poderá a direita ganhar as próximas eleições?» A ver vamos...

26 julho 2007

Tradição da Liberdade - II





SANTO TOMÁS de AQUINO (1225-1274)




“É justo para o homem possuir propriedade... os negócios humanos são conduzidos de modo mais ordenado se a cada homem couber tomar conta de algo particularmente seu, ao passo que seria uma confusão se cada um tivesse de tomar conta da coisa de outrem indeterminadamente”.

25 julho 2007

exéquias

O Partido da Nova Democracia acabou. Ou melhor, já estava morto há algum tempo, embora a certidão de óbito só agora tenha sido emitida.

Desta aventura vale a pena retirar algumas conclusões para o futuro.

Em primeiro lugar, que não bastam um punhado de boas vontades, uma figura mediática e meia dúzia de ideias para fazer um partido com votos. Isto é, com vocação de poder. O sistema constitucional e legal protege os partidos do regime, que são aqueles que o fundaram e que o sustentam há mais de trinta anos.

Em segundo lugar, a ideia da existência de uma direita sociológica, sem representação eleitoral, escondida na abstenção, é um mito, com o qual se acena, de tempos a tempos. Na verdade, à direita do PS há para todos os gostos: desde o populismo, à social-democracia de classe média, até à circunspecta democracia-cristã, passando ainda pela direita nacionalista e patrioteira. Os eleitores abstencionistas não são cidadãos ilustres desagradados que sintam falta de quem os represente. São, apenas e só, cidadãos que não têm pachorra para votar, nem se interessam pela «coisa pública».

Em terceiro lugar, é bom dizer que esta aventura do PND começou de forma particularmente perigosa, sob a égide do «liberalismo»: o programa do partido era «liberal», o jornal do partido chamava-se «Democracia Liberal», e até o Dr. Monteiro era liberal. Muito liberalismo de uma só assentada, poderia dizer-se. Obviamente que não batia a cara com a careta – nem o Dr. Monteiro era liberal, nem o é a maior parte do seu «povo» -, e as pessoas perceberam que esse discurso não passava de um tacticismo para ver se rendia votos.

A última ilação, do meu ponto de vista a mais útil de todas, é a de que quem não perceber que o liberalismo não poderá nunca conformar um programa partidário, não percebeu definitivamente o que o liberalismo é. Se o PND não serviu para mais nada, ao menos que tenha servido para isto. Não seria, pois, nada mau que a direita partidária aprenda alguma coisa com o falhanço deste «partido liberal», de modo a não repetir a graça. Os liberais agradecem.

é uma besta!

A minha experiência de seis meses como blogger do Blasfémias foi uma das experiências mais interessantes da minha vida, e em muito mais do que um aspecto.

Desde o final dos anos 80 e durante os anos 90 eu tinha exercido através dos jornais, da rádio e da televisão uma presença intensa junto da opinião pública portuguesa - uma ingenuidade que foi fruto, em parte, da minha formação num país de tradição protestante. Nunca tive uma ideia razoavelmente precisa do efeito que produzi - se algum. A redacção do jornal, da rádio ou da televisão é uma barreira que se interpõe entre o comunicador e o público, e raramente permite àquele tomar verdadeira consciência das reacções que provoca.

As poucas reacções que, ao longo desse período, fui recebendo não eram, na maior parte das vezes, muito encorajadoras, e menos ainda agradáveis de ouvir. Comecei então a duvidar se a minha crença na opinião pública como veículo para mudar a sociedade, e que eu trazia da minha formação académica em país protestante, teria alguma validade em Portugal, um país de educação imensamente católica.

Desde há muitos anos interessado pelo tema da formação da opinião pública em democracia, eu vi no Blasfémias um microcosmo ideal de experimentação para conhecer o processo de formação da opinião pública portuguesa. Sendo um dos mais abertos e populares blogues do país, ali se juntava todos os dias uma certa opinião pública, que chegou a atingir cinco mil pessoas, para debater em directo os assuntos do dia e outros às vezes mais profundos. Havia gente de todas as idades, desde jovens a homens e mulheres maduros. Quase todos os participantes me pareciam possuír formação universitária, ou estar em vias de a concluír. Eu tinha aqui à minha mão e em directo uma amostra da opinião pública portuguesa - e de uma opinião pública educada.

A experiência foi fascinante a tal ponto que eu ainda hoje considero o Blasfémias o mais representativo de todos os blogues portugueses, e certamente o mais excitante. É um mérito pelo qual eu gostaria de cumprimentar os meus ex-colegas. Foi ali no Blasfémias que eu pude ver e participar em directo no debate público e aberto e assistir em todo o seu esplendor, e sem quaisquer peias, ao processo de formação da opinião pública num país católico.

No período em que lá estive, das centenas de questões que foram postas a debate, raramente - se é que alguma vez - vi emergir um consenso, por mais pequeno que fosse. Após a colocação de um post, a reacção de qualquer comentador consistia invariavelmente em procurar arruinar a tese do autor e, quando vários comentadores se juntavam, passavam então a arruinar as teses uns dos outros.

A balcanização era evidente: certos comentadores eram sempre a favor do governo, irrespectivamente da medida que tivesse sido anunciada, outros inavariavelmente contra; uns eram sempre contra a Igreja, mesmo nos dias em que ela dava esmola aos pobres, outros seguramente a favor; uns eram feministas convictos e detestavam todos aqueles que não o fossem, recebendo da parte destes, sem qualquer cortesia, toda a reciprocidade. E por aí adiante.

Em determinada altura, já não eram só os comentadores que se envolviam uns com os outros e se insultavam uns aos outros. Também houve bloggers que o fizeram. Na parte que me respeita, o ambiente começou a aquecer, ao ponto da zaragata, a partir do momento em que passei a falar da Igreja Católica. As reacções foram violentíssimas. Comentadores e bloggers declararam-se ateus, outros agnósticos, Deus não existia e eu, com a idade, tinha-me tornado um padreca. O clímax foi atingido quando falei dos judeus e aí, eu próprio, não resisti.

No meio destas discussões processadas dias a fio e, às vezes, entrando pela noite dentro com insultos, ameaças e várias deprecações, eu pensava em relação aos bloggers e comentadores que se diziam ateus, agnósticos ou meramente anti-católicos: "Eles são muito mais católicos do que aquilo que se imaginam". E das dezenas, talvez centenas, de comentadores regulares que eu vi desfilar no Blasfémias, só me ficaram cinco na memória - os únicos que, na minha opinião, tinham capacidade, conhecimento e autoridade para alimentar um verdadeiro debate.

Porém, até na despedida esta minha experiência de debate público em meio católico foi fascinante e, num aspecto, divertida. Desde o início da minha colaboração no Blasfémias e até ao fim, houve um comentador que me fez uma marcação cerrada: o amigodaonça (antes, sob o nick incomodus). Sempre que eu colocava um post, ele era dos primeiros comentadores a aparecer, invariavelmente com um insulto.

No dia 24 de Abril de madrugada eu coloquei no Blasfémias o meu post de despedida. No final desse dia, o meu filho B., que exerce a sua actividade profissional em Leiria, telefonou-me para a minha casa no Porto, com um certo desconsolo na voz:

-Então, saíste do Blasfémias?
-Saí - respondi.
-Bem ... eu também só lá ia para ver os comentários do amigodaonça: "O Arroja é uma besta!".

opinião pública

Nos países protestantes cada homem entra no debate público com a autoridade e a responsabilidade que lhe são conferidas pela sua relação directa (covenant) com Deus. A responsabilidade leva cada homem a só intervir no debate quando tem alguma contribuição para dar, algo de positivo a acrescentar, e a calar-se, aceitando a autoridade dos outros, quando não tem. As intervenções meramente negativas, seja em relação a um argumento seja em relação a um participante, são severamente reprimidas por todos os outros. É assim por este processo, através de muitas contribuições produzidas por muitas pessoas diferentes, frequentemente pequenas mas todas elas positivas, que num país de tradição protestante se forma a opinião pública e se espera chegar à verdade.

As coisas passam-se de modo radicalmente diferente num país de tradição católica. A relação directa com Deus (covenant) é aqui o privilégio de uma elite, que recebe autoridade de Deus e assume a responsabilidade perante Ele. Num país de tradição católica, as grandes questões da sociedade são para serem decididas pela elite, e o homem comum espera que a elite decida por ele.

Porém, quando a democracia se instala, arredando da cena a elite, e dizendo ao homem comum que, a partir de agora, será ele a decidir, juntamente com os outros homens comuns, as questões da sociedade, o espectáculo que se vai seguir e a opinião pública que daqui vai resultar não poderiam ser mais desconcertantes.

A razão é que num país católico, o homem comum não se reconhece autoridade - e menos ainda a responsabilidade - para decidir sobre essas questões. E ele não a reconhece nem a si nem aos outros, que são todos iguais a ele. Por isso, num debate público, qualquer opinião vinda de um homem é imediatamente contestada pelos outros, que é a forma que eles têm de lhe fazer saber que não lhe reconhecem autoridade para se pronunciar sobre tais matérias.

O debate público tende então a tornar-se uma competição de contribuições negativas - um bota-abaixo, na linguagem vulgar - onde cada um procura contestar a autoridade do próximo nos temas da vida pública. Este processo conduz à fragmentação da opinião pública e à sua balcanização, levando ao surgimento de facções onde pequenos grupos se digladiam mutuamente, menos interessados em chegar ao consenso ou à verdade, e mais com o propósito de abater a facção de opinião concorrente.

Não reconhecendo em si autoridade para deliberar sobre os temas da sociedade, o homem comum da tradição católica também não se reconhece responsabilidade nesse debate. Por isso, nesta guerra de opinião entre facções, a prazo todas as armas acabam por ser válidas para abater o inimigo, como o insulto, a insinuação a injúria e até a ameaça. É assim que num país de tradição católica, o debate público termina invariavelmente numa algazarra, onde uma espécie de Lei de Gresham faz submergir toda a boa opinião por um ruído ensurdecedor de opiniões contestatárias, e onde os participantes acabam invariavelmente a depreciar-se uns aos outros, a denegrir-se, quando não mesmo a insultar-se.

Na realidade, num país de tradição católica, a melhor forma de destruír uma boa ideia ou um projecto que beneficie genuinamente a sociedade é colocá-lo à discussão pública. É certo que a ideia ou o projecto sairão paralisados no meio da mais vasta discórdia, senão mesmo desacreditados para além de toda a reparação. Imaginar que num país de tradição católica, a democracia pode alguma vez funcionar como o governo por opinião - como acredita e pratica a tradição protestante - não passa, por isso, de uma ilusão.

Aos nóias e anti-nóias


Luís Filipe Menezes não será a solução, mas vai ser um grande problema...

não acredita


A crença na opinião pública como o veículo para mudar a sociedade é uma crença protestante e, por isso, uma crença muito ineficaz quando transposta para um país de cultura católica. Na tradição protestante existe uma relação directa (covenant) entre Deus e o homem; na tradição católica, essa relação é intermediada pelos apóstolos. O homem protestante recebe autoridade directa de Deus e é responsável perante Ele; o homem católico nem uma coisa nem outra, a autoridade de Deus chega-lhe através dos homens - os bispos e, em última instância, o Papa - e é perante homens que ele se sente responsável.

Daqui a crença protestante em autoridades impessoais - como Deus, a autoridade impessoal suprema - e a eficácia dos processos impessoais nos países de tradição protestante, como a opinião pública, a lei e o mercado. Pelo contrário, o homem católico só confia em autoridades pessoalizadas - como o Papa, a autoridade pessoal suprema - e daí a sua rejeição cultural a toda a espécie de processos sociais cujos resultados sejam determinados, não por uma pessoa ou por um grupo de pessoas perfeitamente identificáveis, mas pela multidão - o que torna os resultados desses processos totalmente impessoais. Estão neste caso a opinião pública, o mercado e o processo legislativo em democracia.

Por isso, o homem educado num país católico não acredita na opinião pública como meio para chegar à verdade e melhorar o mundo; ele não acredita no mercado como solução para promover uma melhor afectação dos recursos e uma melhor distribuição do rendimento no mundo; e ele não acredita mesmo nada em leis feitas por homens como ele, como são as leis da democracia.

think-tanks liberais

A democracia tem sido frequentemente descrita como o governo por opinião. O povo escolhe os governantes por meio de sufrágio. Os governantes, para se fazerem eleger, são levados a patrocinar as ideias ou opiniões que o povo maioritariamente possui sobre os temas da sociedade. Para mudar um país democrático, então, aquilo que há a fazer é procurar influenciar e mudar a opinião pública.

Este é o argumento, por exemplo, do economista Friedrich Hayek, e ao qual o José Manuel Moreira alude num post em baixo. E, na realidade, o próprio Hayek foi um dos principais incentivadores da criação de think tanks que levassem à difusão das ideias liberais junto do público, e de que o mais célebre de todos - certamente, o mais antigo - é provavelmente o Institute of Economic Affairs de Londres.

Eu não estou certo da influência que os think tanks liberais conseguiram exercer, ou ainda hoje exercem, sobre a opinião pública, mas penso que é marginal. Enquanto, a partir dos anos 60, eles cresciam e se multiplicavam, defendendo a primazia da iniciativa privada e combatendo o peso do Estado na economia e na sociedade, a verdade é que o Estado não deixou de aumentar desde então praticamente em todos os países do Ocidente. O período em que terão tido maior influência terá sido o início dos anos oitenta e sobretudo nos países anglo-saxónicos.
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Os think tanks liberais que tiveram origem nos países do norte da Europa e da América do Norte, são instituições que evocam um certo proselitismo que é típico da cultura protestante. Talvez por isso, eles foram sempre muito mais raros, e certamente muito menos influentes, nos países católicos do sul da Europa e da América Latina.

24 julho 2007

24 de Julho


"Com a saída do exército coincidiu a revolta popular. Um sargento levantou no Cais do Sodré o primeiro grupo de populares, assaltou o Arsenal e apoderou-se das armas que lá encontrou, e depressa a revolta alastrava a toda a cidade. (...)

Durante a manhã de 24 de Julho (de 1833) a cidade esteve entregue à violência. Um desembargador foi reconhecido e arrastado pelas ruas por uma corda, até se despedaçar. Vários frades foram mortos e muitas residências assaltadas. O duque da Terceira dirigiu um manifesto à população no sentido de pôr cobro à onda de vinganças, mas pouco depois os tumultos voltaram a reacender-se. Ao terror miguelista iria suceder-se, até muito depois do termo da guerra civil, o terror do ajuste de contas."

(José Hermano Saraiva, História de Portugal, Lisboa: Europa-América, 7a. Edição, p. 389)

«a verdadeira crise»

A opinião de José Manuel Moreira sobre a crise dos partidos políticos portugueses e da democracia representativa, no seu artigo de hoje publicado no DE.

an imperial hangover

"In this old and nostalgic capital, filled with grand monuments to the navigators who helped create Europe´s first overseas empire in the 15th century, one begins to understand why the Portuguese have never completely learned to love the latter-day empire of sorts known as the European Union.

On the surface, it would seem natural that Portugal, a small country of 10 million people that shed an authoritarian regime, would have an instinctive affinity for the EU. The Union has been an anchor of democracy since the revolution that overthrew the dictatorship here in 1974. It has pumped nearly 50 billion euros into Portugal´s economy since the country joined the EU in 1986 and helps it to have influence beyond its size on the world stage.

Yet Portugal has an ambivalent relationship with the bloc of 480 million people it will now lead as EU president for the next six months. It is sometimes said here that Europe was the last continent to be discovered by the Portuguese (...).

Since the transition to democracy, successive governments have harnessed the country´s future to the EU. But its colonial past still exerts a strong hold on the national psyche and Lisbon still maintains close ties with Portugal´s five former African colonies and Brazil. It is no coincidence that Portugal will use its EU presidency to hold the first EU-Africa summit in several years, as well as a high-profile summit with Brasil.

However potent its imperial hangover, the greatest factor weighing on Portugal´s mixed attitude toward the EU is its economy, which is severely underperforming other neighboring EU countries like Spain. (...)"
(extracto do artigo "In Portugal, an imperial hangover that lingers", publicado no International Herald Tribune do último fim-de-semana)




relinchava


Assegura a zazie que o Cardeal Richelieu, o todo-poderoso ministro de Luís XIII que serviu de modelo ao nosso Marquês de Pombal - e que tem sido frequentemente apontado como o pai intelectual do Direito Administrativo - relinchava.

ota e tgv: uma solução prática

A Líbia de Muammar Kadafi libertou, ao fim de anos de cativeiro e humilhação, um grupo de pessoas sobre quem incidiam algumas graves acusações que nunca foram provadas.Fê-lo em troca de dinheiro da comunidade internacional para a construção de uma auto-estrada e de uma linha de caminho-de-ferro. A comunidade internacional, pela voz do Sr. Sarkozy e do Presidente da Comissão Europeia, já agradeceram à Líbia o «gesto humanitário».
A comunidade internacional, sobretudo a europeia, sempre gostou de se agachar a este género de salafrários. Provavelmente, trata-se de algum complexo histórico mal digerido. Por mim, que até acho o Sr. Kadafi um espartalhão, vejo o método como muito útil. Poderia, por exemplo, resolver-nos, de vez, o problema da OTA e do TGV. Sugestão que deixo, de graça, à consideração das autoridades competentes.

à ignomínia nacional

"Olhem em todas as cidades do mundo. Verifiquem se em alguma delas existe um memorial à ignomínia nacional. Eu nunca vi nenhum. O Holocausto não é tema para um memorial e um memorial não deve ser construído (...)."
(Martin Walser, escritor alemão, 1998)

No Museu Judaico de Berlim pode-se questionar, em parte, o conteúdo que o transforma predominantemente num Museu do Holocausto, mas não é possível deixar de admirar a sua concepção arquitectónica. No Museu, o holocausto, apesar de tudo, está recolhido e é evocado com alguma privacidade.

Nada disto acontece no Memorial Judaico ao Holocausto, inaugurado há dois anos. Está plantado a céu aberto no centro de Berlim, junto às portas de Brandeburgo. São 2711 blocos de betão revestido evocando túmulos, numa área equivalente a dois campos de futebol. Dificilmente existe cidadão ou turista que tenha a curiosidade suficiente para observar de perto cada um dos quase três mil paralelepípedos fúnebres, praticamente todos iguais uns aos outros.

É certo que o Memorial também não está lá para isso. Está lá para evocar a acusação permanente, a culpabilização eterna, a factura sempre por pagar.

os modernos hunos



Para a história do "liberalismo" em Portugal, Alexandre Herculano no Cocanha.

23 julho 2007

democracia: e porque não exportá-la?

Não deixa de ser curioso – engraçado, até – que aqueles que se dizem incomodados com a ideia da democracia ser essencialmente um sistema de designação e substituição pacífica dos governantes, sejam os mesmos a condenar as intenções neoconservadoras e norte-americanas de exportação do «produto», como recentemente sucedeu no Iraque. Se a democracia é, por si só, a garantia da existência de uma sociedade livre, não se percebe porque não pode ser «exportada». George W. Bush pensa assim (pelo menos, fundamenta assim a sua intervenção no Iraque), e, no começo do século XIX, Napoleão Bonaparte também não disse coisa muito distinta. Habitualmente, nessas circunstâncias, o anti-americanismo primário costuma falar mais alto do que a devoção ao sufrágio universal. Ao ponto de se preferirem – sempre por elevadas razões de «tolerância» cultural e civilizacional, note-se – os despotismos regionais protagonizados por tiranetes invariavelmente mascarados de generais, aos democráticos marines da América do Norte.

Por mim, o facto de ser um método, não retira à democracia valor. Pelo contrário, tratando-se de um método que permite a transição pacífica do poder, ou seja, que garante a paz política, ele tem um valor tão importante que o transforma num princípio estruturante de uma sociedade livre. Como Popper, tão oportunamente aqui recordado por José Manuel Moreira, dizia, «Há somente dois tipos de instituições governamentais: as que possibilitam a transferência de forma pacífica e as outras» (Conjecturas e Refutações). Pertencer ao primeiro grupo, como nos garante a democracia, não é coisa de menor importância para um liberal.

Diferente disso é, porém, o que fazem os governantes com o mandato democrático. Ou melhor, o que os governantes se arrogam no direito de fazer com o mandato que lhes advém do sufrágio universal. É um outro problema e muito distinto do primeiro. Aí, o liberalismo tem de ser muito crítico. Por três razões: a primeira decorre da sua própria natureza, já que o liberalismo é, regressando a Popper, consubstanciado por um conjunto de «normas de avaliação – e, se necessário, para a modificação – das instituições vigentes» (idem); em segundo lugar, porque o sufrágio universal não garante a qualidade do exercício do poder («A democracia por si mesma não pode conceder aos cidadãos nenhum benefício», K. Popper, ibidem), mas a possibilidade da mudança tranquila dos seus titulares; em terceiro lugar, porque a defesa da liberdade, mormente da que resulta da limitação do poder soberano do Estado, é muito anterior ao século XX e à generalização do sufrágio universal. Voltaremos oportunamente a este último assunto.

Aos demarquistas de todos os partidos

Pelos vistos a diferença e tensões entre "democracia" e "liberalismo" continuam – fruto de um entendimento abusivo da democracia – a criar confusão nas mentes dos nossos contemporâneos.

Talvez esta citação de Karl Popper (em A sociedade aberta e os seus inimigos) possa ajudar a compreender as dificuldades:

"Democracy cannot be fully characterised as the rule of the majority, although the institution of general elections is most important. For a majority might rule in a tyrannical way. […] In a democracy the powers of the rulers must be limited; […] in a democracy, the rulers – that is to say, the government – can be dismissed by the ruled without bloodshed”

De facto, ao acentuar a ideia de escolha pacífica – sem que o sangue corra – dos governantes, esta citação acaba por desvalorizar a ideia central no liberalismo de que a regra da maioria não é a essência da democracia.

É por isso que um liberal clássico deve sempre insistir – como faz Rui A. mais abaixo – nas tensões entre os conceitos de "liberalismo" e de “democracia” (entendida como governo do povo).

Foi para ajudar à clarificação que Hayek sugeriu a substituição do termo "democracia" por "demarquia" (o governo limitado em que a opinião pública - e não a vontade da maioria - é a autoridade superior).

democracia

Discute-se na blogosfera se o liberalismo é contra a democracia.

O ponto de partida consiste nalgumas críticas que os liberais costumam fazer ao funcionamento dos regimes democráticos. Concretamente, ao excessivo intervencionismo estatal, que se tem vindo a agravar, e que resulta da convicção de que o poder democrático, por o ser, não deve conhecer outros limites que não sejam os impostos pelos governantes sufragados pelo voto popular.

Este conceito de democracia identifica-a com a democracia popular e jacobina saída da Revolução Francesa e da pena de Jean-Jacques Rousseau. Pressupõe os governantes como intérpretes e executantes da «volontée générale», e esta enquanto a vontade do povo soberano expressa nas urnas e delegada no resultado do sufrágio. No fim de contas, trata-se de transformar a democracia, que essencialmente consiste num método de designação e legitimação dos governantes, num mandato ilimitado para o exercício do poder.

Infelizmente esta interpretação tem sido muito frequente. No seu limite máximo, ela poderá levar ao terror do «governo popular», como sucedeu na própria Revolução Francesa, ou a outros modelos de colectivismo, tais como, no século XX, o sovietismo, que foi uma das expressões do soberanismo rousseauniano. No seu limite mais brando, ele encontra-se em muitos países ocidentais, nos quais os parâmetros da intervenção do Estado na vida social são cada vez mais ténues, e frequentemente determinados pelos governos monopolizadores do poder legislativo e executivo. Aqui, apesar de se manter o respeito pelos direitos fundamentais dos indivíduos (que são, muitas vezes, reinterpretados e diminuídos), as traves mestras da sociedade liberal – propriedade e liberdade individual – são frequentemente postas em causa em nome do «interesse público», ou da «vontade popular sufragada». Nessa medida, os textos constitucionais, onde se consagram os direitos fundamentais das sociedades liberais, são encarados com alguma indiferença e distância, passando a sua delimitação diária a ser feita pela lei.

Os liberais não podem, obviamente, apreciar isto. Menos ainda, que esse intervencionismo seja determinado por uma legitimidade democrática que é, muitas vezes, pouco mais do que formal, se atendermos às vicissitudes por que passam muitos regimes e sistemas democráticos, e as dificuldades legais e práticas que os cidadãos comuns, isto é, os que não pertencem à classe política, têm para participar na vida política. Mas, por outro lado, não ignoramos que a democracia é o mais importante padrão civilizacional do nosso tempo, que foi construído à custa de muito sacrifício, e que, mesmo assim, não tem ainda validade universal. Por isso, como Churchill, um bom liberal não se cansará nunca de repetir que «a democracia é o pior sistema de governo, com excepção de todos os outros».

overcoming others


O neoconservadorismo americano distingue-se do conservadorismo tradicional pela sua política externa, a qual possui um carácter marcadamente agressivo. Os principais doutrinadores do neoconservadorismo foram e são, praticamente sem excepção, intelectuais de cultura judaica, como Leo Strauss, Allan Bloom e Irving Kristol.

Na equipa do Presidente Bush que pôs em prática a intervenção americana no Médio Oriente, encontram-se, não na primeira linha, mas sempre na segunda - outro traço da cultura judaica, a discrição da segunda linha - um número de políticos em que os judeus se encontram desproporcionalmente representados - Paul Wolfowitz, talvez o mais destacado dentre eles, Lewis Libby, Karl Rove, Douglas Feith e vários outros.

O neoconservadorismo americano e a intervenção americana no Médio Oriente e, em particular, no Iraque nunca foram bem aceites na Europa predominantemente cristã. A razão é que esse movimento intelectual e político é um produto típico da cultura judaica e que a cultura cristã tem grande dificuldade em aceitar.

A cultura judaica viveu, ao longo da sua história, em permanente conflito com outras culturas, ora constantemente sitiada ora, quando as circunstância o permitiam - como nos últimos 60 anos - passando à ofensiva. O conflito de culturas - em última instância, a guerra de culturas - é um traço dominante da cultura judaica e uma condição essencial da sua identidade.

Assim, Allan Bloom escreveu num dos livros mais influentes do neoconservadorismo americano:
"War is the fundamental phenomenon on which peace can sometimes be forced, but always in the most precarious way. Liberal democracies do not fight wars with one another because they see the same human nature and the same rights applicable everywhere and to everyone. Cultures fight wars with one another. They must do so because values can only be asserted or posited by overcoming others, not by reasoning with them. Cultures have different perceptions which determine what the world is. They cannot come to terms. There is no communication about the highest things (...). Culture means a war against chaos and a war against other cultures. The very idea of culture carries with it a value: man needs culture and must do what is necessary to create and maintain cultures. There is no place for a theoretical man to stand. To live, to have any inner substance, a man must have values, must be committed, or engagé".
(The Closing of the American Mind, , New York, Simon and Schuster, 1989, p. 202, bold meu).

Esta concepção da relação entre culturas é estranha à tradição cristã. Nesta tradição, todos os homens são filhos de Deus, e filhos iguais - não, como na tradição judaica, em que uns são filhos eleitos e outros são enteados. O conflito, e mais ainda a guerra, está excluído entre os filhos de Deus, a quem Ele quer igualmente bem, e a condição normal entre duas culturas é o diálogo, a conversação - reasoning with them.

A subcultura portuguesa do cristianismo foi, neste aspecto, razoavelmente exemplar na sua história. Não tendo, além disso, poder militar que alguma vez lhe permitisse ambicionar submeter outras culturas, dialogou com elas, conversou com elas, misturou-se com elas. Na tradição judaica, a relação entre culturas é conflito. Pelo contrário, na tradição cristã, a relação entre culturas é sobretudo conversação.

culturas


Quando, desde o início da minha colaboração na blogosfera, eu coloquei o ênfase na cultura de um povo e, em particular, na principal determinante dessa cultura - a religião - para analisar as suas ideias, as suas instituições, os seus sucessos e os seus fracassos, eu sabia o efeito que iria produzir, sobretudo quando chegasse àquela que é a mais controversa de todas as culturas - a cultura judaica.

O ponto essencial a que eu pretendia chegar é o de que a razão humana é um produto relativo da cultura, e que cada cultura possui a sua racionalidade. A um nível mais restrito até, cada homem possui a sua cultura - aquela que adquiriu na sua família, a mais culturalizante de todas as instituições - e existe uma racionalidade em cada homem que é distinta de todos os outros homens.

O Iluminismo pretendeu susbtituír a fé pela razão e Deus pelo homem e, em parte, conseguiu, conduzindo a uma certa absolutização da razão e a uma certa idolatria do homem, que alguns sucessos da ciência e da técnica serviram para suportar. Porém, se é certo que a racionalidade científica contribuiu nos últimos dois séculos para melhorar o nível de vida da humanidade, não é menos certo que a humanidade não teria sido capaz de sobreviver durante os milénios anteriores sem a fé religiosa.

Quando, num post sob o título Dupla Precaução, originalmente publicado no Blasfémias, depois reproduzido no Portugal Contemporâneo, eu afirmei que usava de dupla precaução para interpretar todos os movimentos filosóficos ou científicos - como o neoliberalismo, o libertarianismo e a o neoconservadorismo -, que tivessem origem judaica, eu pretendia significar que a racionalidade inerente a essas ideias não seria facilmente transportável para um país que possuísse uma cultura diferente, como é o caso de Portugal que é um país de cultura católica.

Na altura, a única objecção significativa à minha tese veio do João Miranda no Blasfémias, que me pediu que explicasse como é que os critérios da ciência - falamos das ciências sociais, para já - podiam estar dependentes da cultura dos cientistas, e de eles serem judeus, católicos, protestantes ou muçulmanos. É isso que tenho vindo a procurar fazer e que pretendo continuar a fazer - e julgo que tenho conseguido alguns progressos.

Entre todas as culturas, a mais fascinante, do ponto de vista da minha curiosidade, é a cultura judaica. De entre todas as que me interessam considerar, é a mais antiga, e aquela que tem a história mais extraordinária de sobrevivência e, em parte, também de sucesso. A cultura judaica, provavelmente por virtude da sua experiência histórica, é a mais dualista de todas as culturas que a humanidade já conheceu. Por dualista, eu significo a sua faceta de os valores que os judeus possuem e praticam dentro da sua própria comunidade serem, em geral, muito diferentes - e frequentemente opostos - àqueles que praticam em relação às comunidades exteriores, no seio das quais sempre viveram.

Assim, por exemplo, os judeus ganharam ao longo da história, aos olhos das comunidades exteriores que os acolheram, a reputação de serem agarrados ao dinheiro, insensíveis à sorte dos outros e radicalmente egoístas. Entre eles, porém, não existe provavelmente povo no mundo que seja mais generoso, mais solidário e mais altruísta.

Falar de culturas num país católico como Portugal, nem sempre é fácil, excepto se fôr para dizer mal da própria cultura católica e bem de qualquer outra, por mais primitiva que seja. Falar dos judeus é muito mais difícil, em Portugal ou em qualquer outro país. Frequentemente acusados ao longo da sua história pelos mais diversos motivos, muitas vezes de forma injusta, os judeus desenvolveram um mecanismo cultural de reacção que é um mecanismo de defesa, e que consiste em acusar primeiro, antes que eles próprios sejam acusados - uma espécie de lema segundo o qual a melhor defesa é o ataque.

Provavelmente nenhuma cultura no mundo acusa alguém que seja exterior a ela com tanta facilidade como a judaica. Quem ouse falar de judeus - a mera pronúncia da palavra é, em geral, suficiente - arrisca-se a ver recaír sobre si, vindas dos mais inesperados lugares, acusações de toda a espécie, as mais correntes das quais são as de anti-semitismo, desonestidade intelectual e incentivo ao ódio, que outro objectivo não visam que o assassínio de carácter e impedir o acesso à verdade. Em contraste, a cultura cristã desenvolveu um fascínio - às vezes, um fascínio quixotesco - pela verdade, a tal ponto que o seu fundador deu a sua própria vida por ela.

the responsibility of Germans



"It is the responsibility of Germans to finance this."

(Michael Blumenthal, director do Museu Judaico de Berlim, 1998; Blumenthal é cidadão americano, nasceu em Berlim e foi Secretário do Tesouro do Presidente Jimmy Carter).

22 julho 2007

progressos


O António Costa Amaral (AA) do blogue A Arte da Fuga publicou ontem um post sob o título Dupla Precaução. Neste post, ele cita Nathaniel Branden que admite a matriz judaica do movimento do Objectivismo - uma versão do liberalismo moderno -, de que Ayn Rand foi a líder incontestada, e algumas das consequências daí decorrentes.

Ayn Rand era judia e Nathaniel Branden também é. Branden, que manteve uma relação amorosa com Rand, foi durante muito tempo designado por ela como o seu herdeiro intelectual. Após o termo da relação, Ayn Rand expulsou-o do movimento e desqualificou-o da herança intelectual (Branden era cerca de 25 anos mais novo que Rand).

O post do AA evoca o meu post com o mesmo título que publiquei no Blasfémias em Abril, e que ditou a minha saída, sob acusações acerca do meu radical anti-semitismo por parte de alguns colegas de blogue e de um bom número de comentadores e outros bloggers. Não resisti.

Este fim-de-semana, voltei a estar sob acusações ainda mais violentas de anti-semitismo, em virtude dos meus posts sobre o Museu Judaico de Berlim. Por isso, foi reconfortante que o AA tivesse trazido a público evidência que, em relação àquele dossier mais antigo, parece indicar que eu tinha razão. Sempre vou dormir mais descansado depois de uma hora tão stressante que passei a ler os posts, e os comentários, que sobre mim foram escritos durante o fim-de-semana. Mas não, sem antes jurar a garantia suprema do meu liberalismo: eu nunca comandei um ataque de cavalaria; eu nunca induzi um político em qualquer nova loucura; eu nunca persegui um padre; e eu nunca persegui um judeu.

Tradição da Liberdade - I


“A liberdade é o impedimento do controle de outrem. Isso requer autocontrole e, portanto, influências religiosas e espirituais, educação, conhecimento e bem-estar”.



"Em todas as épocas, os amigos sinceros da liberdade têm sido raros, e seus triunfos são devidos às minorias [...] Se interesses hostis vêm produzindo muitos danos, falsas ideias os têm produzido ainda mais, e o avanço [da verdadeira liberdade] é marcado pelo aumento do conhecimento, bem como pela melhoria das leis."

gente perigosa

Esta declaração, aqui em baixo reproduzida, pertence a António Bagão Félix, o homem que a direita escolheu para os Ministérios da Segurança Social e das Finanças na sua última passagem pelo poder. Que, nessa altura, disse ficar muito satisfeito quando via as empresas portuguesas a fechar, por, segundo ele, isso reflectir o dinamismo do nosso mercado.
Sucede que Félix não percebeu, e continua sem perceber, mesmo com a sua passagem pelo governo, que a principal causa de falência das empresas portuguesas não é a concorrência, mas a vampirização e a asfixia a que o Estado as submete: porque lhes suga os recursos por via fiscal, porque lhes atrasa os pagamentos do que lhes deve e porque as impede de se reajustarem às exigências do mercado impondo-lhes legislação laboral socialista.
Acontece que Bagão Félix não é uma figura menor da direita portuguesa. Foi, e continua a ser, o modelo de «competência» e «credibilidade» que o CDS, e o próprio PSD que o escolheu como «independente» para as Finanças, exibiram na sua última passagem pelo governo. Recentemente, segundo consta, Paulo Portas insistiu com ele para que fosse candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Félix continua em alta nesta direita «renovada», que quer regressar ao poder. Com as mesmas ideias e as mesmas convicções que de lá a desalojaram no passado recente.
Não há gente mais perigosa do que a que é incapaz de aprender com os seus próprios erros.

o estado da direita

Bagão Félix, DN, 23.VII.2007.

21 julho 2007

Pois é

Eu apreciei neste post do Lutz, em primeiro lugar, a civilidade, em segundo lugar, o facto de ele conter uma tese que vai para além da expressão do seu sentimento pessoal. E a tese é a de que o Museu Judaico de Berlim, carregado de evocações ao holocausto, representa algo de bom para o povo alemão, uma forma de ele se conciliar consigo próprio e a sua história.

O Lutz sabe que eu tenho uma opinião pessoal oposta, e também uma tese oposta. Como cidadão português, eu nunca aceitaria que a comunidade judaica em Portugal fosse colocar no centro de Lisboa um museu evocativo das perseguições que os judeus foram alvo no país - e estou persuadido que seria nisso acompanhado pela esmagadora maioria dos portugueses. Recomendaria que fizessem o Museu no centro de Telavive. Da mesma forma que compreenderia muito bem a recusa do povo judeu em deixar instalar no centro de Telavive um museu palestiniano evocativo dos abusos que o povo judeu tem cometido sobre o povo da Palestina.

Porém, é no plano da tese que a questão mais me interessa discutir. Seria possível a um povo sobreviver - e, mais ainda, prosperar - se, em lugar de evocar os seus grandes feitos e os seus grandes heróis, como normalmente todos os povos fazem, decidisse, em lugar disso - como sugere o Lutz - comemorar os seus grandes crimes e os seus grandes algozes?

A resposta parece-me obviamente negativa. A prazo, este povo - cada pessoa deste povo - não conseguiria ter respeito por si próprio, e menos ainda inspirar respeito aos outros. Quem iria entrar em relação com este povo, casar com uma mulher, estabelecer um contrato com um comerciante, visitar em turismo este país, se as suas cidades, vilas e aldeias estivessem repletas de estátuas evocativas dos seus grandes criminosos e de museus evocativos de todos os holocaustos que ele produziu ao longo da sua história? Um povo assim não conseguiria prosperar; pelo contrário, a prazo, estaria inevitavelmente condenado à decadência, primeiro, e ao desaparecimento depois.

Porém, o post do Lutz está tão bem redigido, que eu próprio, até certa altura, fiquei seduzido e quase me deixei convencer que a natureza humana iria poder finalmente ser alterada e passar a ser no futuro muito diferente - na realidade, exactamente ao contrário - daquilo que foi até ao presente.

Até que o Lutz me chamou à realidade, quando se referiu a Hitler e a Himmler. Deles, tal como em relação aos crimes que eles cometeram, o Lutz também não se envergonha (embora, num plano diferente, se envergonhe, o que me leva a presumir que o Lutz tem formação jurídica). Porém, o golpe fatal ao argumento ocorre um pouco mais abaixo quando o Lutz, referindo-se a Bach e a Thomas Mann, declara: "(...) a verdade seja dita: orgulho-me deles. Sei que é imbecil.".

Pois é. O Lutz tem os valores ao contrário. Considera imbecil orgulhar-se de Bach ou Thomas Mann, mas uma honra não se envergonhar nem de Hitler, nem de Himmler, nem dos crimes que eles cometeram. No mundo do Lutz, os génios destruidores vão poder florescer à vontade, enquanto os génios criadores só serão distinguidos enquanto houver imbecis.