29 abril 2007

declaração pública



Eu, abaixo-assinado, Luís Queiró, deputado europeu, apoiante das directas no CDS-PP e da candidatura do Senhor Dr. Paulo Sacadura Cabral Portas (a quem apresento, aqui, as minhas saudações pela estrondosa vitória alcançada), primeiro signatário, com a Senhora Dª Orísia Roque (a quem envio, daqui, admirados cumprimentos), de uma lista de mais de cem militantes do meu partido para testemunharem em favor do deputado beirão Hélder Amaral (a quem, aqui, abraço irmãmente) no infamante e calunioso processo de agressões à Senhora Drª Maria José Nogueira Pinto (a quem apresento, aqui, os meus respeitos), declaro nada ter a ver com esse outro Queiró, o Manuel, também filho de meu pai e de minha mãe, nem com as suas declarações sobre o Senhor Dr. Paulo Portas (os meus respeitos e consideração) e a necessidade de uma oposição interna à sua brilhante liderança.
Este desagradável «equívoco», já por várias vezes ocorrido nos media com a colocação da minha fotografia a ilustrar essas notícias, hoje mesmo repetido na página 13 (número aziago) do jornal «Público», prejudica gravemente o meu bom-nome, a minha imagem de homem de bem, de democrata-cristão, e de político fiel aos seus princípios e aos seus chefes. Diga-se, aliás, que sempre fui homem de confiança de todos os líderes do meu partido, a quem servi incondicionalmente com lealdade e devoção enquanto não me desiludiram a mim e aos portugueses, com excepção do último, o Senhor Dr. José Ribeiro e Castro (a quem apresento, aqui, os meus sentimentos), por razões tão óbvias que até ele já compreendeu. Infelizmente, mesma atitude costumava caracterizar o meu homónimo, por razões desconhecidas profundamente ingrato para com o Senhor Dr. Paulo Sacadura Cabral Portas (a quem envio, a partir daqui um forte abraço de encorajamento político: FORÇA PAULO!).
Fique, por tudo o que aqui está escrito e pelo mais ainda que se não me ocorre escrever, estabelecido doravante que não me responsabilizo nem responsabilizarei pelas declarações e actos políticos desse outro cavalheiro.

A Bem do Partido,

(assinatura ilegível)

28 abril 2007

uma besta

«Ninguém chora pela morte de lacaios», escreveu Leandro Martins na edição do «Avante» de 26 de Abril, a propósito da morte de Boris Yeltsin, o homem que fez tristemente findar o sonho do comunismo soviético, a mando do imperialismo americano. Os media, também às ordens do grande capital americano, «certamente gostariam de juntar aos elogios fúnebresas vozes de Thatcher e de Reagan, se não fosse a taralhoquice da primeira e a amnésia do segundo», prossegue, implacável. E, sarcástico, termina: «talvez os próximos cadáveres não se apresentem tão embebidos em vodca». Genial!
Esquecendo, em homenagem à «taralhoquice» e à «amnésia», o facto de Reagan ter falecido em 2004, pormenor insignificante no paraíso soviético, onde os heróis não morriam, são frases deste género que transformam um vulgar cidadão num grande animal político. Num animal político enorme. Numa verdadeira besta.

antónio



O preconceito existente contra António de Oliveira Salazar é um dos piores erros em que incorre a nossa democracia. Embora compreensível, já que ainda não passou suficiente tempo histórico para o olharmos imparcialmente, por um lado, e, por outro, porque ainda perdura a sua memória nas vítimas do regime que nos impôs ao longo de quarenta anos.
Uma sociedade democrática e adulta deveria ter, contudo, uma outra atitude. Até porque campeiam pelos livros de história e pelos monumentos das nossas praças, louvores e alvíssaras a tiranos do seu e de muito pior quilate. O Marquês de Pombal é disso o exemplo mais extremo, justificado pelos seus seguidores, nas suas atitudes contrárias aos mais elementares direitos humanos (já muito debatidos na doutrina do seu tempo) e na férrea tirania que implantou, por «razões de Estado» e pela mentalidade do tempo. Um salazarista não justificaria melhor Salazar.
O que é um facto é que Salazar abandonou o poder há já quase quarenta anos. Tempo suficiente para que o novo regime o não tenha por referência e consiga, quando leva já trinta e três anos de existência, bastar-se a si mesmo. A crítica permanente a Salazar revela, no fim de contas, fragilidade. O receio de que Salazar ganhasse um simples concurso televisivo, que a Câmara da sua terra lhe faça um museu, que os seus adeptos (?) se manifestem e lhe realcem as virtudes, enfim, que a popularidade de um morto possa crescer, não é própria de uma sociedade amadurecida.
Quanto ao mais, não há que ter medo: se Salazar disciplinou as contas públicas e o orçamento, não há que negá-lo; se Salazar desenvolveu a economia, ainda que seja mais do que discutível que a poderia ter levado bem mais longe, há que reconhecê-lo; se o homem evitou que entrássemos na 2ª Guerra Mundial, só lho devemos agradecer. Depois, para que as contas não fiquem por fazer por inteiro, há que lembrar que foi também este homem quem proibiu a liberdade de expressão, fez presos políticos, permaneceu demasiado tempo no poder, condicionou o desenvolvimento industrial do país, mandou censurar jornais, impediu a aproximação de Portugal às Comunidades Europeias, deixou-se arrastar penosamente na cadeira do poder sem pensar na sua sucessão, etc.
No fim, cada qual que faça a sua contabilidade e obtenha o resultado que muito bem entender. A favor ou contra, a ele, morto há trinta e sete anos, não lhe fará muita diferença. E a nós, francamente, também não.

27 abril 2007

presunção de inocência

Marques Mendes trilhou um percurso perigoso ao vetar as candidaturas autárquicas de Valentim Loureiro e de Isaltino de Morais. Não pelas pessoas em causa, das quais visivelmente se pretendia livrar, mas pelo fundamento invocado: o da sua constituição como arguidos em processos-crime.
Ao fazê-lo, Marques Mendes subverteu não só o pilar essencial do funcionamento do Estado de direito, o da presunção da inocência, como demonstrou desconhecer que a lei prevê o estatuto de arguido como uma forma de protecção do próprio visado e não como uma presunção de culpabilidade. Por outro lado, parece igualmente ignorar que qualquer queixa que incida sobre um cidadão, podendo mesmo ser anónima, obriga à abertura de inquérito e à audição do visado naquela qualidade.
Hoje, com o problema político que tem em mãos pelo facto de Carmona Rodrigues, um candidato da sua confiança pessoal e indicado por si, ter sido constituído arguido, Marques Mendes não tem alternativa: terá de lhe retirar confiança política e fazer cair a Câmara. Amanhã, se chegar alguma vez a Primeiro-Ministro, Marques Mendes terá de escolher criteriosamente as companhias, isto é, os seus ministros e secretários de Estado, no caso de querer levar a legislatura até ao fim.

judeus



Um pouco movido por esta minha bizarra veleidade de presumir que posso ainda aprender alguma coisa com esta idade, dei por mim a ler um livro de um conhecido socialista francês, Jacques Attali, sobre um tema que anda ultimamente na berra na blogosfera nacional: os judeus.
O título do livro, entre o conspirativo e o histórico, não deixa espaço a ilusões sobre o seu conteúdo: «Les Juifs, le monde et l’argent», nele se descrevendo pormenorizadamente o que o povo judeu tem passado ao longo da história, e tentando estabelecer, com rigor histórico, as suas sempre tão afirmadas relações com os temas recorrentes do dinheiro e da alta finança.
Segundo Attali, os valores mais firmes do judaísmo forjaram-se numa diáspora, que tem sido particularmente dura ao longo dos séculos, e concebem três pilares fundamentais sobre os quais sustentam a sua doutrina económica: trabalho, concorrência e solidariedade. O objectivo evidente seria o de «fixer les milleures conditions de survie du groupe en milieu étranger» (p. 61). Mais do que compreensível, portanto.

Estas regras existenciais, sem dúvida próprias de gente honrada e trabalhadora, foram especialmente desenvolvidas nas comunidades judaicas da diáspora, por compreensíveis razões de sobrevivência individual e de grupo, tendo originado uma forte coesão interna e a laços de solidariedade e auxílio intensos estabelecidos entre os seus membros. Razão pela qual, os judeus e as suas comunidades foram vistos frequentemente de soslaio e com alguma desconfiança pelas outras pessoas das comunidades a que não pertenciam. Acresce a isto que sendo gente trabalhadora e organizada, frequentemente conseguindo sucesso à custa do seu esforço e da sua inteligência, irritavam mais ainda. Como é sabido, a «lei do menor esforço» é o primeiro postulado do comportamento económico da maior parte dos seres humanos. Se alguém trabalha, progride e enriquece, ainda que esforçada e legitimamente, dificilmente escapa à crítica e à censura. Quando não a acusações de enriquecimento ilícito. Como nós, os portugueses de hoje e de sempre, bem o sabemos…

É nas suas últimas páginas que o livro de Attali ganha mais interesse para a ponderação das teorias do «anti-sionismo económico», segundo as quais o domínio judaico dos grandes interesses económicos e financeiros do mundo resulta numa evidência. Diz o velho socialista francês que, hoje em dia, «três rares sont les entreprises restées proprement juives» (p. 558). Enumera, em seguida, uma série de grandes empresas americanas, entre elas a Walt Disney, a Time Warner, a Warner Music, a ABC, a CBS, a Microsoft, a Oracle, a Reuter (inglesa), a Newhouse (imprensa escrita), fundadas por judeus, que já não pertencem às famílias dos seus fundadores e não são propriamente «controladas» (conceito um pouco bizarro numa grande multinacional) por judeus. Depois enumera um conjunto de bancos fundados por judeus, que foram imensamente importantes no século XIX – Warburg, Seligman. Bichoffsheim, Khun-Loeb, etc., e que, entretanto, se tornaram insignificantes no nosso tempo. A Salomon Brothers e a Chrysler, potentados empresariais fundados por judeus, também já não pertencem às famílias dos seus fundadores. Na Europa, alega o autor, os grandes bancos judaicos, desapareceram na 2 Guerra Mundial, e não renasceram no seu término. Exemplo extremo: o Deutsche Bank, fundado pelo judeu Ludwig Bamberger, não tem qualquer ligação actual a judeus. Conclusão de Attali: «il n'y a plus - ou presque plus - d' "argent juif"» (p. 559). O que não significa, obviamente, que não existam judeus no mundo dos negócios ou na direcção de grandes empresas financeiras. Também era o que mais faltava! Mas o mito do férreo controlo do mundo financeiro pelo «povo eleito», onde, na verdade, existem inúmeros outros actores que nada têm a ver com esse povo, bem como a sua perda de controlo de muitas instituições que foram suas e já não são, demonstra que não passa disso mesmo: de um mito.



É evidente que o mito perdura, sobretudo quando situado no chamado «anti-semitismo económico e político», este último focado, sobretudo, nas relações e nas conveniências estabelecidas entre o Estado de Israel e as várias Administrações norte-americanas. Estas formas de «anti-semitismo» não escolhem intérpretes específicos, envolvendo, até, conhecidos intelectuais americanos e judeus, como Noam Chomsky, que por várias vezes assumiu posições públicas contrárias aos interesses geopolíticos do Estado de Israel. O que deita por terra, também, o mito da ilimitada solidariedade entre os judeus.



Dei por mim a pensar nestas e noutras questões graças ao excelente trabalho intelectual de Pedro Arroja, consubstanciado nestes dois «post» publicados no «Blasfémias», seguidos a estas duas citações também aí editadas em tom de franca provocação. O que, curiosamente, para mim sobressaiu no que escreveu, foi verificar uma profunda identidade entre aquilo que Arroja afirma sobre a ligação do lobby judaico americano à Casa Branca e à política de Israel no Médio Oriente (as questões da defesa da guerra preventiva por Gary Becker, a bomba atómica israelita e os idênticos direitos dos outros Estados regionais, as posições oficiais no caso dos «cartoons» de Maomé, etc.), com o que diz alguma esquerda europeia. Francamente, as suas posições em relação a este assunto (como anteriormente em relação aos «neocons») são claramente de esquerda. Do meu ponto de vista, baseadas num preconceito, note-se bem, entendido literalmente como um conceito estabelecido antes da verificação dos factos, sobre a influência real do povo judaico e do Estado de Israel no mundo e na política americanas. Preconceito que, basta abrir um jornal diário, é, de facto, dominante na intelligentsia europeia, contra Israel e, deixemo-nos de tretas, o seu povo, os judeus.

Por mim, do ponto de vista do liberalismo, que não tenho nem por ser de esquerda nem de direita, é uma posição, à semelhança de muitas outras, intelectualmente admissível. Como é, também, refutável. Desde que o seja com factos e não com outros preconceitos.

25 abril 2007

as putas do diabo


«As Putas do Diabo», o nome com que Lutero designava as bruxas do seu tempo por terem supostamente relações sexuais com o demónio, é o título de um interessante livro de Armelle Le Brás-Chopard, professora de Ciência Política, que trata de bruxaria e satanismo medievais, e que merece uma leitura atenta e sem preconceitos.
Indo directamente ao assunto nuclear da obra, a tese é a seguinte: as perseguições movidas pela Inquisição e pelos poderes públicos às bruxas foram motivadas menos por razões religiosas do que políticas. Tratou-se, segundo a autora, do processo encontrado pelos Estados europeus em formação e em rumo acelerado para a centralização do poder, de afirmarem a sua soberania e de esmagarem os direitos e a liberdade individuais. A razão por essa perseguição ter sido movida sobretudo às mulheres, que eram a esmagadora maioria dos «praticantes» de feitiçaria, deveu-se ao facto, por um lado, delas serem mais vulneráveis do que os homens, mas também porque a sociedade europeia medieval assentava muito na organização familiar matriarcal, sobre a qual os Estados emergentes necessitavam de impor a sua autoridade. A «caça às bruxas» terá sido, assim, movida mais por razões políticas do que por motivos religiosos, e marcou o fim do mundo medieval, abrindo espaço à transição da sociedade feudal para o Estado moderno. Diga-se, de resto, que a autora argumenta exemplarmente em defesa da sua tese.



Desde logo, há a registar o facto dos tribunais que julgavam os crimes de feitiçaria se dividirem, na generalidade dos países europeus, em duas jurisdições com competências diferenciadas: a religiosa, que apreciava a matéria de facto, onde se encontravam juízes do clero, e a estadual, que declarava o direito aplicável e onde tinham assento juízes seculares. A ingerência do Estado na nomeação e controlo dos primeiros era a regra geral. No caso da célebre Inquisição espanhola, que era, de facto, um tribunal eclesiástico, a nomeação dos inquisidores era da inteira responsabilidade do rei, limitando-se Roma a ratificar os nomes indicados. Já em França, onde Henrique II tentou reproduzir o modelo espanhol, a fim de evitar qualquer dependência de Roma, a Igreja acabou por ser completamente afastada, ao ponto dos processos de bruxaria se terem virado contra si e os seus prelados.
Cedo, na generalidade dos países europeus, os juízes seculares acabariam por suplantar os eclesiásticos, assumindo o controlo total dos processos desde a investigação, até à acusação. A Igreja acaba por ser não só devorada neste processo, como é mesmo atacada pelo poder público do rei, que assim a submete à sua autoridade cada vez mais absoluta. Através das acusações de bruxaria de que, progressivamente com maior frequência, os clérigos começaram a ser vítimas, foi-lhes retirado um dos poucos privilégios que possuíam ainda perante o poder do Estado: o foro eclesiástico, isto é, a prerrogativa de serem julgados pelos seus próprios tribunais. Deste modo, a «caça às bruxas» serviu não só a centralização régia em curso, como também acabou por ser um forte instrumento de laicização do Estado. De facto, e não por acaso, coube a Jean Bodin, o primeiro teorizador da soberania (Les Six Livres de la Republique), ter sido também um dos primeiros autores a escrever um tratado sobre feitiçaria (De la Démonomanie dês Sorciers), onde, por sinal, defendia a inteira estatização dos respectivos processos judiciais.
Quando, no final do século XVII, os processos por bruxaria são proibidos em toda a Europa, já o Estado moderno se encontrava implantado, e o poder absoluto dos reis solidamente firmado. Nessa altura, a legitimidade do Estado e dos monarcas decorre já directamente da vontade de Deus, e não tem que ser transmitida pelo Papa. Por sua vez, o individualismo e a autonomia local próprios do mundo medieval estavam completamente domesticados pelo poder público dos monarcas. A soberania triunfara sobre o indivíduo. As prisões na Alemanha, em França e por essa Europa fora estavam cheias de «bruxas» e de «bruxos». Havia que dar espaço a outros, nomeadamente aos «inimigos do Estado».



P.S.: Depois de ter lido o livro e escrito este «post» reparei, quase por acaso, que Pedro Arrojaescrevera sobre o assunto, um pouco nesta linha. O que quase o transformou, nessa altura, num Torquemada da blogosfera portuguesa.

24 abril 2007

liberdade e revolução

«Poderá ser um truísmo dizer que libertação e liberdade não são a mesma coisa; que a libertação pode ser a condição da liberdade, mas que de modo nenhum conduz automaticamente a ela; que a noção de liberdade implicada na libertação só pode ser negativa e, portanto, que até a intenção de libertar não é idêntica ao desejo de liberdade. Contudo, se se esquecem facilmente estes truísmos, é porque a libertação sempre pareceu grandiosa e o fundamento da liberdade foi sempre incerto, se não completamente vão.»

Hanna Arendt, On Revolution, 1963

23 abril 2007

boris


Boris Yeltsin morreu hoje sem ver implantada a democracia na Rússia. Duvido mesmo que ele tivesse por esse sistema, que o seu país nunca conheceu, um amor especial. Nascera num país fascista, onde a liberdade era o primeiro inimigo do Estado, e cresceu sob a sombra de Estaline e o ferrete histórico de Lenine. Companhias pouco recomendáveis, como se pode ver. Acabou por fazer carreira no PCUS e, rezam as más-linguas, terá sido muito próximo do KGB. Nada levaria a crer, por isso, que lhe devêssemos, hoje, o fim da URSS e uma das maiores provas de coragem em defesa da liberdade de que há memória. No golpe de Agosto de 1991, Yeltsin enfrentou os tanques do Império com a sua pessoa física e derrubou a tirania. As imagens são fortes e perduram ainda hoje. Dificilmente encontraremos um ícone que homenageie melhor a liberdade. Até sempre, camarada!

o militante

O estranho conceito político de «militante» parece estar de regresso à gíria partidária, onde fez percurso no pós-25 de Abril. A ideia é, ou melhor, foi, mais ou menos esta: pessoas abnegadas, movidas pelo idealismo, desejosas de contribuírem para o desenvolvimento da cidade e para o bem-estar dos seus concidadãos, dedicam, desinteressadamente, parte substancial sua vida à vida dos partidos políticos, as estruturas democráticas que salutarmente lutam pelo poder. A origem do conceito encontra-se nas ideologias totalitárias, no comunismo e no fascismo, onde os «militantes» operaram maravilhas e prodígios nas suas várias materializações históricas.
A evolução de tanta generosidade e abnegação conduziu, em Portugal e na generalidade das democracias ocidentais, a uma vida democrática pouco mais do que formal, baseada em dois ou três partidos que se alternam ciclicamente no poder, dirigidos por férreas estruturas de apparatchiks controleiros que dominam toda a vida interna do partido, cacicam as listas de filiados, controlam as eleições dos seus órgãos, a composição das listas de deputados e candidatos aos órgãos do Estado, as nomeações para os cargos públicos, etc.
Só por fina ironia se pode imaginar, nos dias de hoje, a vida interna dos partidos entregue aos velhos «militantes» do imaginário romântico da revolução. Nem aos «militantes», nem aos «quadros», outra ideia engraçada dessa época, muito querida a alguns dos nossos partidos. A caciques, talvez seja mais rigoroso.

o regressado

Paulo Portas recuperou hoje o seu pecúlio político, inadvertidamente legado, há dois anos atrás, a um regente em quem não depositava a mais pequena confiança. Castro, o regente, deixou-se frouxamente tratar como uma velha empregada doméstica de aldeia, e teve hoje o triste fim que a drª Nogueira Pinto há muitos meses lhe vaticinara. Amanhã poderá passar pelo Caldas, para fazer as contas e buscar as malas. Entretanto, os seus poucos seguidores encherão os tribunais de processos e providências cautelares. Não será isso que retirará um segundo de repouso a Portas e aos seus, sobretudo a estes que hoje recuperaram a esperança num futuro risonho. Paulo Portas reconquistou o partido que é, de facto, seu. Não lhe será fácil conquistar a confiança do país. A indiferença, ou mesmo o desdém como, fora do seu cada vez mais pequeno círculo, tem sido comentado, contrasta abruptamente com a expectativa criada em 1998. Não há, na verdade, memória de um episódio tão tristemente dantesco na história da nossa partidocracia.

quando visitar um país da união europeia

Prendam esta mulher.

liberdade de expressão

Instigar alguém à prática da violência, fazendo-o de forma séria e eficaz, é um tipo legal de crime em qualquer Estado de direito digno desse nome. Seja contra quem for e por quaisquer que sejam as razões. Se o crime resultar de um sentimento de ódio racial, de segregação sexual, ou de qualquer outro motivo ou razão que agrave o comportamento do agente, a tipificação do crime deve qualificá-lo de forma especial e agravar também a pena correspondente. A maior parte dos ordenamentos jurídicos dos Estados de direito também já prevê estas situações.
Agora, qualificar como crime uma opinião, por mais absurda e estúpida que ela possa ser, é impróprio de um Estado de direito democrático e de uma sociedade humanista e tolerante. A liberdade de opinião e de expressão é um direito sagrado de qualquer indivíduo, ainda que o use de forma errada. É, aliás, em primeiro lugar, para permitir o direito ao erro e ao disparate, que a liberdade de expressão merece protecção constitucional. Numa sociedade de gente absolutamente sensata e imune à asneira, a liberdade de expressão seria uma redundância. No caso dessa liberdade conduzir a ofensas de terceiros, o Estado de direito democrático prevê sanções jurídicas para o infractor, com diferente graduação consoante o grau da ofensa e o valor jurídico atingido, que os tribunais aplicam mediante queixa do ofendido.
Por isso, esta legislação que a União Europeia se prepara para impor aos seus vinte e sete Estados-membros é, na parte que toca ao primeiro crime, desnecessária, e no que se refere ao segundo, ofensiva da liberdade. Por mais que nos possa custar, negar o Holocausto, isto é, recusar as evidências da História, é um direito que uma sociedade livre não pode proibir. Tanto mais, como parece pretender a União, quando essa legislação estabelece holocaustos de «primeira» e de «segunda», considerando a negação de uns crime, como os do holocausto nazi, e outros não, como os praticados pelo regime estalinista. São este género de atitudes, próprias das sociedades falsamente democráticas e pretensamente assépticas, que costumam gerar descontentes e hordas de marginais.
É, também, por isto, que insisto na urgente necessidade da União Europeia ser dotada de um texto constitucional que delimite as suas competências, e as demarque das dos Estados-membros.

19 abril 2007

cds

Os cansativos monólogos umbilicais de Paulo Portas e Ribeiro e Castro, acabados de passar no Canal 1, demonstram somente que a alternativa política ao governo de Sócrates terá que passar, mais uma vez, pelo PSD. Infelizmente.

italianização

Aníbal Cavaco Silva saiu diminuído do governo, sob ameaça de despedimento sem processo disciplinar do então Presidente da República. António Guterres fugiu do pântano, Barroso não findou a legislatura por vontade própria, e Santana Lopes, apoiado por uma maioria absoluta no Parlamento, foi despedido como uma velha empregada de servir. Quanto a José Sócrates, tanto poderá ou não concluir a legislatura, embora os sintomas de fragilidade de que actualmente padece dificilmente venham a desaparecer. A sua subsistência dependerá mais do ambiente social e político, dos media e do Presidente da República, do que da legitimidade democrática de que inegavelmente dispõe.
Nos últimos quinze anos os governos não se aguentaram em Portugal. Nem com maiorias absolutas, menos ainda sem elas. Graças a Jorge Sampaio, que quebrou com uma certa evolução parlamentar do sistema, qualquer Presidente da República está e estará autorizado a interpretar como bem entender o «regular funcionamento das instituições democráticas».
A italianização real para que nos encaminhamos, sem disso nos apercebermos, exigiria uma profunda reforma constitucional, e uma definitiva clarificação do sistema de governo, abandonando, de uma vez por todas, o semipresidencialismo em que persistimos desde 1976.

armas e barões

A liberdade de uso e porte de arma nalguns estados norte-americanos é, sem dúvida, a grande responsável pelos actos de violência que frequentemente ocorrem nesse país. Felizmente que em Portugal não há nada disso. Nem armas clandestinas, nem legais, nem de caça. Um sossego.

nos eua a culpa não morre solteira

O massacre da Virginia Tech foi, como é óbvio, da responsabilidade directa da sociedade americana e da violência que nela se prega, Como é sabido desde há muito, no crime a culpa é sempre da sociedade e só acidentalmente do criminoso. Por esse motivo, é capaz de não ser despropositado começarmos a pensar porque é que têm ocorrido, nos últimos anos, em Portugal, tantos casos de pedofilia e de violações e abusos sexuais de menores e de crianças, algumas ainda de colo. Só nas últimas semanas foram noticiadas os casos de uma menina violada mais de trezentas vezes entre os sete e os treze anos de idade pelo padrasto, de uma criança de quatro anos abusada por um marmanjo de quarenta e dois, de um tipo que abusava de uma miuda de doze anos, etc. A isto convém juntar os mediáticos casos da Casa Pia, do Parque Eduardo VII, dos Açores, as suspeitas que surgem frequentemente sobre a pedofilia na Madeira, entre outros.
A sociedade americana é responsável por «Virginia Tech»? E pela pedofilia em Portugal?

desertificação

O «Fórum da TSF» de hoje debate o problema da desertificação do interior do país. As conclusões, embora desagradáveis, não se podem considerar surpreendentes: interior desertificado, concentração da população nas cidades do litoral, com macrocefalia galopante de Lisboa. As razões são, também, óbvias: as pessoas e as famílias estão onde existem emprego e melhores condições de vida, o emprego surge onde estão as empresas, estas fixam-se nos locais com melhores infra-estruturas e mais desenvolvimento, que, por sua vez, se localizam inevitavelmente nos centros de decisão política e administrativa. Consequentemente, sair disto não exige grande imaginação e existem por essa Europa fora inúmeros exemplos que evidenciam bons modelos de desenvolvimento: é necessário que o Estado central transfira parte dos seus poderes de decisão para as várias partes do território nacional, para instituições com soberania própria e legitimidade democrática, isto é, que se regionalize. De facto, mais importante do que discutir o mapa geográfico de uma futura regionalização, torna-se necessário debater o seu mapa de competências.
Bom exemplo disto mesmo temo-lo aqui ao lado, em Espanha, cujo desenvolvimento económico e social se deu a partir da regionalização, mais propriamente após a criação das regiões autonómicas. Ainda ontem recebi por correio um enorme volume da Xunta de Galicia, com folhetos e livros diversos em português, para promoverem em Portugal as três Universidades da região: Corunha, Santiago e Vigo. O programa, denominado «Dá o Salto para o SUG (Sistema Universitário da Galiza)» é desenvolvido pelos órgãos próprios das Universidades e da Região, perante quem, de resto, elas dependem nos aspectos essenciais e não exactamente de uma qualquer Direcção-Geral madrilena. É por estas e outras razões que as Universidades espanholas estão cheias de alunos portugueses e que as portuguesas estão cada vez mais vazias. Com o resto, passa-se o mesmo.

constituições e direito comunitário

Este «post» do Gabriel revela a admiração que é comum perante um facto que não tem que admirar: o direito comunitário prevalece sobre o direito interno e não é susceptível de fiscalização constitucional. Pelo contrário, as normas constitucionais internas dos Estados-membros e dos países candidatos, são susceptíveis de aferição perante o direito comunitário. Dois exemplos simples: a) uma norma constitucional que diminua os direitos e garantias dos cidadãos será contrária ao princípio democrático da UE, e pode mesmo levar à expulsão de um Estado (lembram-se do Haider?) ou impedir ou retardar a sua entrada; b) uma norma constitucional que viole o princípio comunitário da livre concorrência será, por natureza, inadmissível face ao direito comunitário, e todos os actos que resultem do direito interno que dela decorra estão sujeitos a impugnação judicial. Isto é assim, em Portugal, desde 1986. É por estas e por outras, que a existência de uma Constituição escrita da União Europeia, porque material e histórica já ela a tem, pelo menos, desde Maastricht, é essencial. Para o projecto comunitário, mas, sobretudo, para os cidadãos da União.

uma dúvida

O prof. Alberto Amaral, que está a dissertar no Prós-e-Contras sobre o ensino superior, é o mesmo prof. Alberto Amaral que há uns tempos assinou um parecer, a pedido do governo, sobre a abertura de novos cursos de Medicina em Portugal, onde sustentava a sua desnecessidade por saturação do mercado? Já agora, o mesmo mercado onde as Universidades espanholas vêm, todos os anos, matricular mais de mil alunos para os seus cursos de Medicina?

pôr no são o prof. miranda

O prof. Jorge Miranda decidiu envergar, no seu artigo de hoje do «Público», umas vestes de ave de rapina, que tão bem lhe assentam, e investir sobre o ensino superior privado português. Isto, obviamente, para o ajudar a «pôr no são», ele que orgulhosamente ostenta o galardão de ter contribuído para a consagração da existência de «escolas distintas das estatais» (não propriamente privadas, repare-se), nesse monumento à liberdade que foi a Constituição da República Portuguesa de 1976, que ele ajudou a parir.
E o que sugere S. Exª para evitar tamanhos males? Que as instituições de ensino superior privadas só possam ser criadas e geridas por entidades societárias sem natureza comercial (fundações, cooperativas, etc.), isto é, que não possam ser exploradas tendo em visto o lucro.
Ora, sucede que o prof. Miranda parece desconhecer que é exactamente esse o sistema que está em vigor há décadas, muito graças a esse malfadado texto constitucional, de que terá sido pelo menos nessa parte responsável, e de que tanto se diz orgulhar. De facto, com a sua conhecida aversão ao «lucro», própria do marxismo sebenteiro que na altura dominava o país, a CRP impôs, na prática, o modelo cooperativo saído do socialismo romântico de Owen e Fourrier às futuras escolas «privadas» de ensino superior. Isso levou a que necessariamente elas fossem geridas, em igualdade de posições, pelos seus próprios professores, alunos e funcionários administrativos, impedindo o acesso à sua gestão e administração de gestores profissionais, que pudessem manter alguma independência e distinção de interesses perante a entidade gerida. Diga-se, de resto, que os mesmos professores, ou outros formados nos bancos das mesmas escolas, que «geriam» o ensino superior público português. O tal que todos os anos gasta milhões de contos ao Estado, que todos os anos reclama suplementos financeiros ao Estado sob ameaça de fechar portas ou de não fazer exames, que não é sujeito a fiscalização de nenhum organismo público ou privado, que cria os cursos que entende e que, desde a paixão do engº Guterres, se desmultiplicou em licenciaturas que estão às moscas, que contrata e despede professores sem critério, que permite que as suas mais eminentes luminárias se passeiem à nossa custa em congressos internacionais, enquanto os assistentes dão as aulas, que deixam os candidatos às provas de mestrado e doutoramento anos à espera, ultrapassando todos os prazos legais e regulamentares, e que estaria genericamente falido há muito tempo se não fosse a almofada financeira protectora do Estado. Porque, nestas coisas de receber e pagar, ou há prejuízo ou lucro. Coisa que qualquer colega do prof. Miranda de finanças públicas ou de economia lhe poderá explicar facilmente.
Por isso, eu daria ao sr. Prof. Jorge Miranda, caso pretenda manter vestidas as suas vestes rapinares de fiscalizador do ensino superior, que comece por onde essa sua intervenção pode ser mais útil: o ensino público. Ou seja, a sua própria casa.

milagres (da rosa)

Não creio que o melhor argumento em favor da tese do Pedro Arroja seja o de que nos ciclos anti-clericais da nossa história «o nível de vida em Portugal» se tenha deteriorado «progressivamente face à Europa». Fosse assim e teríamos de concluir pela convergência de Portugal com a Europa na III República, ou que o regime que ela instituiu tem sido particularmente antagónico aos interesses da Igreja. Como sabemos, nem uma nem outra asserção é verdadeira.
Para isso, nada melhor do que lembrar a defesa que dela e dos seus interesses tomaram Mário Soares e o Partido Socialista no pós-25 de Abril. Não só não a hostilizaram, ao contrário dos seus antepassados históricos da I República, como vieram mesmo para a rua defendê-la, como sucedeu no caso da Rádio Renascença.
Moral da história: Mário Soares e o PS aprenderam com os erros que a I República cometeu com a Igreja, e perceberam que, se calhar, esse foi um, ou mesmo até o principal motivo que levou à sua queda. Argumento que, paradoxalmente, ajuda a fundamentar um outro do CAA sobre a deficiente laicidade da nossa República...

13 abril 2007

o que entender

Em trinta e quatro anos que já leva a III República, a direita portuguesa conseguiu eleger três primeiros-ministros – Francisco Sá Carneiro, Aníbal Cavaco Silva e Durão Barroso, e um chefe de Estado – o mesmo Aníbal Cavaco Silva que a liderou no governo durante mais de dez anos. Para além deste trio, a direita produziu três líderes com algum carisma no CDS – Lucas Pires, Manuel Monteiro e Paulo Portas – e pouco mais do que uma meia dúzia de putativos dirigentes, por uma ou por outra razão, fracassados – Mota Pinto, Pinto Balsemão, Santana Lopes, Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa. Verdadeiramente, no regime democrático, foi Cavaco Silva, com as suas qualidades e defeitos, quem mais a marcou, ao ponto de todos os líderes do PSD que lhe sucederam até aos dias de hoje, com a exótica excepção de Marcelo, terem passado pelos seus governos e serem criações políticas suas.
Durante esse compasso de tempo, a esquerda democrática, com epicentro no PS, teve Mário Soares, António Guterres e José Sócrates como primeiros-ministros, e dois chefes de Estado – Soares e Sampaio. Constâncio e Ferro Rodrigues não chegaram ao poder, mas dificilmente se lhes poderá chamar soaristas. Isto é, provavelmente por não cultivar a ideia paternalista do exercício do poder, cujas raízes democráticas se situam no gaullismo, essa espécie de salazarismo de brandos costumes que a direita portuguesa tanto admira, a esquerda desenvolveu uma personalidade própria independente e capaz de gerar alternativas sucessivas de poder. O mesmo não sucedeu com a direita.
No momento presente, o sentimento de orfandade com que a direita portuguesa sempre viveu no regime democrático, primeiro com a morte de Sá Carneiro, depois com o abandono de Cavaco, por quem poderá ela esperar? Está provado que os carismas não se inventam, nem se decretam, como ficou bem demonstrado com o anedótico episódio de fazer de António Borges o Cavaco dos tempos modernos. Como se tem igualmente tornado uma evidência, com Santana e o mais recente Portas, que ter talento político não chega: é, também, preciso saber conservá-lo.
É neste contexto que o nome de Durão Barroso faz sentido. É certo que abandonou o país e o governo. Mas não só não foi corrido do poder, no que é caso único na III República, como avançou pelo próprio pé para um dos mais importantes lugares políticos do mundo. Os portugueses são conhecidos por terem memória curta e acabam sempre por perdoar, como teria acontecido com António Guterres, segundo indicavam as sondagens presidenciais. E, bem vistas as coisas, é para arranjar boas justificações que se inventou o marketing político.
A verdade é que, à falta de melhor, quando Durão abandonar a Comissão, com prestígio político internacional e com a memória do seu passado de primeiro-ministro bem trabalhada, terá mais do que espaço de manobra para fazer do PSD e, por extensão, da direita, o que bem entender.

três perguntas simples

Para felicidade dos adversários da União Europeia, o Tratado Constitucional continua por ratificar e, em consequência, sem entrar em vigor na ordem jurídica comunitária.
Entretanto, ao que julgo saber, a União continua a existir, as suas instituições, bem ou mal, a funcionar e a tomar decisões que afectam milhões de cidadãos. Gostaria, por isso, de dirigir aos adversários do referido Tratado algumas perguntas:
1. Alguém saberá dizer-me onde começam e acabam as competências da União Europeia, e será que poderiam indicar-me um texto legal em que elas estejam delimitadas perante as dos Estados-membros?
2. Alguém saberá explicar-me como se tomam decisões e aprovam leis na União Europeia (não vale responder «o Tratado de Nice», porque, por si só, a resposta está errada...)?
3. Seria, também, possível explicarem-me como pode um Estado-membro da União actualmente exercer o seu eventual direito de secessão? E será que esse direito existe e que está consagrado em algum tratado comunitário em vigor?

Na eventualidade de não ser possível responderem-me a estas questões, aconselho a leitura do malfadado Tratado Constitucional. Talvez aí encontrem alguma coisa...

adrenalina

Oliveira Salazar queria Portugal a viver pacatamente. Durante as décadas em que o governou, a opinião pública praticamente não existia fora das coordenadas que o regime autorizava. Para esse fim, a censura precavia os danos e limitava os riscos. As pessoas deviam «viver habitualmente», o mesmo é dizer, sem ondas. O Estado devia imitar, no seu zelo e virtude, uma humilde e honrada dona de casa, tal como o Doutor Salazar as imaginava. Mais do que uma ditadura política, o Estado Novo foi uma comédia de costumes que anestesiou o País durante quarenta anos. «A Bem da Nação».
No pós-25 de Abril, o que se notou foi a necessidade de extravasar a adrenalina. A moda era berrar contra o «fascismo», como poderia ser contra qualquer outra coisa. Daí que, alguns dias antes do fim do regime, os mesmos populares que depois da Revolução invectivavam Marcelo e lhe chamavam «fascista» o tenham glorificado e aplaudido de pé no estádio do Restelo. O que era preciso, como dizia o outro, era «animar a malta» e o 25 de Abril serviu para isso na perfeição.
E a malta ainda se animou durante mais uns tempos, com Cunhal e Soares (um tipo francamente animado), até que Aníbal Cavaco Silva repôs a «normalidade». No seguimento da nossa tradição, viver com «normalidade», era, segundo Cavaco, viver fora da política, ou melhor, distanciado da «coisa pública». Para isso existiam os políticos, espécie menos do que humana sobre a qual o Doutor Cavaco, que ainda hoje insiste em dizer que não é um político, manifestava as maiores reservas. Viver com «normalidade» no país de Cavaco, no nosso país, era não ler jornais. Nem que para isso fosse preciso barricar-se no Pulo do Lobo.
Essa necessidade de refúgio do ex-primeiro-ministro não foi meramente circunstancial, antes assinalou o fim de um tempo e o começo de um outro. Não por acaso, só no Pulo do Lobo se podia «viver habitualmente» nos dias do fim do primeiro cavaquismo. Fora do Pulo do Lobo o mundo regredira à idade das trevas, onde a política, digo, a inveja e a maledicência, campeava, transparecendo nos tais jornais que Cavaco nunca lia.
De então para, cá o país abandonou definitivamente a sua «normalidade». Vive agora de escândalo em escândalo político e social, e se não lho servem atempadamente em doses generosas, sente-se tristonho. Os portugueses trocaram o seu «way of life» secular pelo consumo furioso de doses industriais de adrenalina, que expelem em torno de assuntos que, na maior parte dos casos, só indirectamente lhes dizem respeito.

as costas do marquês

Ao contrário do Pedro Arroja, eu não sou tão optimista na identificação das causas dos males nacionais. Na verdade, se elas residissem nas Faculdades de Direito, mormente na da Universidade de Coimbra, seria fácil resolver os problemas da pátria que há séculos nos atormentam: bastaria fechá-las!
Acontece que elas, compostas por pessoas e responsáveis concretos, são mais o espelho da nossa natureza, do que a sua origem. Basta, aliás, ter em conta que quando o Marquês promoveu a sua «reforma», a Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra continuava a ensinar exclusivamente Direito Romano aos seus alunos e ignorava por inteiro o Direito Português. Nomeadamente, pasme-se, o que constava das Ordenações do Reino, isto é, o que se aplicava nos nossos tribunais. Por outro lado, o método mantinha-se praticamente o mesmo que tinha vindo a ser utilizado desde a sua fundação em 1290, a saber, o da Escola dos Glosadores. Esta Escola, nascida em Bolonha por meados do século XII, foi quem tinha recuperado os velhos textos do Direito Romano Clássico, tendo-os analisado exegeticamente, isto é, com absoluta fidelidade à sua letra e ao seu conteúdo. Sem criatividade, que necessariamente não poderia ter num primeiro momento de compreensão de textos tão complexos, este método esgotou-se a si mesmo ao fim de pouco tempo. No ensino do Direito em Portugal (que não do Direito Português, note-se), espelho fiel do nosso imobilismo habitual, continuou dominante. Os poucos juristas que pregaram coisa diferente, como foram os escolásticos salamanquinos do século XVI que ensinaram em Portugal, acabaram recambiados para Évora, como sucedeu com Molina e Suárez, a pretexto de não disporem ainda de graus académicos superiores.
Este imobilismo manteve-se, aliás, depois da dita «reforma» pombalina, que, no essencial, apesar das intenções proclamadas, deixou praticamente tudo na mesma. O ensino do Direito Pátrio, do Direito das Gentes e da Filosofia do Direito ficou-se praticamente por três ou quatro cadeiras do primeiro ano. A elaboração de manuais universitários pelos professores das cadeiras, coisa que, como é sabido, dá sempre algum trabalho, que era um dos pontos principais da dita «reforma», acabou por resumir-se, durante muito tempo, aos manuais de Pascoal José de Melo Freire. O resto era, continuava a ser, Direito Romano. Estava lá tudo que nos era necessário: a ideia do Direito como uma expressão da vontade soberana para disciplinar a canalha, em vez da de uma ordem normativa necessária a um povo livre.
O imobilismo e o comodismo são as duas patentes originais da portugalidade. O que as nossas Universidades fazem são apenas e só transmiti-lo ao longo das gerações.

apologia e realidade

Os portugueses têm enorme dificuldade em distinguir a realidade política das suas próprias emoções. Os aguardados comentários a este «post» sobre Durão Barroso evidenciam-no bem. Se bem lido, o texto não é, em nenhuma das suas palavras ou afirmações, apologético em relação a Durão. O que não exclui a cada vez mais elevada probabilidade dele repetir em Portugal o que Prodi fez recentemente em Itália. A miséria da nossa direita, incapaz de forjar lideranças e projectos políticos credíveis, aumenta exponencialmente o que será uma forte hipótese no road map político do actual presidente da Comissão Europeia. Se o regresso de Durão Barroso à política portuguesa é bom ou mau, isso é outra conversa. Que em nada alterará a realidade, como a seu tempo se há-de ver.

a vingança do chinês

Se José Sócrates e o seu governo acabarem por ceder à pressão mediática e, à semelhança dos seus antecessores - Santana, Guterres e o próprio Cavaco de final de mandato - perderem o poder mais cedo do que seria previsível, quem poderá protagonizar uma alternativa credível de governo? Marques Mendes parece-se cada vez mais como um émulo de Ferro Rodrigues do PSD, onde todos, a começar pelo Presidente da República, parecem estar à espera que caia para tratarem seriamente da sucessão de Sócrates. Paulo Portas está e estará em séria perda de credibilidade, depois de uma desastrada rentrée de que foi inteiramente responsável, que perdurará no espírito da opinião pública enquanto tiver um sopro de vida política. Para além disto, não sobra ninguém à direita, com excepção de Durão Barroso. Goste-se ou não da personagem, foi o único primeiro-ministro português dos últimos vinte anos que saiu do poder pelo próprio pé, aliás, para coisa bem melhor. Não se queimou publicamente, aparece na televisão com ar de homem sério acompanhado por gente importante. Além disso, ficou por provar se era ou não um bom primeiro-ministro. Embora, o convite que lhe foi feito pelos chefes de governo europeus para presidir à Comissão faça crer que sim. Se quando terminar o seu mandato não o convidarem para mais um, Durão Barroso, ainda jovem e político toda a vida, terá um país à sua espera.

nonsense!

Alguns comentadores de Blasfémias viram neste meu «post» uma alegoria sobre algumas picardias com que ultimamente alguns colaboradores do blog se (nos) têm entretido. Disparate! A alegoria era, obviamente, sobre o estado actual do CDS-PP e do processo delirantemente autofágico em que o partido e os seus dirigentes entraram há uns meses. Aqui pelo Blasfémias somos todos gente inteligente. Graças a Deus, se me é permitido.

the beatles

Aí há uns dias, escrevinhei um «post» sobre os Genesis, uma banda musical que sempre apreciei, ao qual ninguém prestou a atenção devida. Nesse texto expunha fundamentalmente os seguintes pontos de vista: que o grupo era composto por excelentes músicos; que estes valiam menos separados do que juntos; e que, sobretudo, tiveram a notável inteligência de se manterem unidos por mais de quatro décadas, sobrevivendo ainda nos nossos dias, aspecto que sempre admirei. Hoje, não sei porquê, apetece-me escrever sobre os The Beatles, outra velha banda do passado.
Reconheci sempre qualidade musical ao grupo de Liverpool, embora os seus membros me parecessem muito menos talentosos do que os media os faziam. As carreiras individuais, genericamente pobres ou medianamente inspiradas, demonstraram-no. Contudo, colectivamente funcionavam muito bem e chegaram a ser absolutamente brilhantes. Nunca percebi, por isso, porque se separaram. Porque não tiveram um módico de inteligência (e de humildade) que lhes permitisse continuarem juntos uma obra (hoje diríamos «uma marca») com que todos ganharam.
Sempre gostei dos Genesis, como repetidamente escrevi, e tive sempre uma fraca opinião sobre a inteligência, que não do talento musical, dos The Beatles. Hoje, mais do que nunca, olhando para trás, mantenho essa opinião.

deesalento

Talvez a pior situação a que possam chegar uma sociedade e um país seja a de desalento: aquela sensação de que não vale a pena qualquer esforço para melhorar as coisas, porque elas serão sempre pelo menos iguais, senão ainda piores. Visto à distância, essa é a impressão que causa Portugal, os seus sucessivos governos e respectivas trabalhadas, as oposições trepanadas e quase desprezíveis, as crises que sempre agravam a vida das pessoas comuns, as historietas mediáticas do costume, em suma, o túnel sem luz ao fundo. Portugal vale a pena? Às vezes espanta-me o entusiasmo com que se debate e comenta a política no nosso país, sobretudo na blogosfera, onde se ultrapassa, muitas vezes, o limite do razoável em nome de «ideias», «princípios», «programas» e até, pasme-se, de políticos. Bem vistas as coisas, o que discutem e para que discutem as pessoas? Para nada, como se tem visto e continuará a ver.