07 maio 2024

A Decisão do TEDH (159)

(Continuação daqui)



159. Um casamento improvável

É uma história improvável. Um escritor comunista emigrado em Espanha. O escritor ganha o Prémio Nobel e torna-se rico, o que é um embaraço para um comunista. Pior que tudo, ele desata a fugir ao fisco do país que o acolheu, um embaraço ainda maior para quem acha que a riqueza deve ser fortemente tributada para ser redistribuída pelos pobres.

O escritor é apanhado. Contrata, então, uma grande sociedade de advogados, conhecida por empregar juízes, políticos e magistrados do Ministério Público, e de se infiltrar nas diversas instituições da justiça para a poder manipular. O seu próprio presidente, num lapso indesculpável, viria a ser apanhado, alguns anos depois, e condenado a dois anos de prisão por fuga ao fisco. 

O escritor é condenado em primeira instância a pagar 700 mil euros ao fisco e a sentença é confirmada em segunda instância. Mas é absolvido no Supremo com base num argumento que faria corar de vergonha qualquer vulgar criminoso.

É um caso típico de criminalidade legal: aparentemente, todas as leis foram cumpridas mas no fim há crime - evasão fiscal. E um caso típico de injustiça social, só um comunista rico tinha dinheiro para conseguir este milagre porque um comunista pobre nunca conseguiria fazê-lo.

É um casamento improvável entre um português, comunista e rico, e uma espanhola, rica e corrupta. O português é o escritor José Saramago, a espanhola é a sociedade de advogados Cuatrecasas.

À história, dei na altura o título de "Os fiscalistas de Saramago": cf. aqui.


A Decisão do TEDH (158)

 (Continuação daqui)




158. Go to the cock!


O Tribunal de Leiria absolveu ontem um cidadão de 20 crimes de difamação agravada a quatro magistrados, dois juízes e dois procuradores do MP. A juíza-presidente explicou a sentença dizendo que a decisão tinha seguido a jurisprudência [do TEDH], fazendo prevalecer o direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra (cf. aqui). A menos que  a decisão seja revertida pela Relação - o que é pouco provável - evita-se, assim, mais uma condenação de Portugal no TEDH.

Em termos relativos, face à sua população, Portugal é o pais mais vezes condenado no TEDH por violação do direito à liberdade de expressão dos seus cidadãos e, em termos absolutos, creio (sujeito a confirmação) que também é. Só no último mês e meio já sofreu duas condenações.

Como explicar este fenómeno, que a tendência tem sido até agora, em Portugal, para fazer prevalecer o direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão, uma ponderação que depois é invertida pelo TEDH?

Existem vários factores, todos concorrendo para esse fim. O primeiro é geográfico. Quem olhar para o mapa da Europa vê que Portugal é marginal, uma espécie de província, que esteve sempre longe das grandes batalhas que se travaram no centro da Europa pela liberdade e pela democracia.  E, quando se envolveu, a reboque de Espanha, foi para lutar contra a liberdade e a democracia.

O segundo factor está no facto de a cultura portuguesa ser uma cultura católica, que é uma cultura feminina, centrada na figura de Maria. As mulheres são mais sensíveis à ofensa do que os homens. A figura da donzela desonrada é ainda hoje uma figura trágica aos olhos de muitos portugueses. Os portugueses ofendem-se com imensa facilidade.

O terceiro factor é muito interessante e decorre ainda da cultura feminina (católica) dos portugueses. Existe muito maior variância na mulher do que no homem, a mulher é capaz de exagerar e de ir do oito ao oitenta com muito mais facilidade do que o homem, e a mulher aprecia a variedade muito mais do que o homem. 

Daqui decorre que a língua portuguesa tem uma variedade de expressões ofensivas, e que ofendem com uma tal intensidade, que não encontra correspondência nas línguas de culturas masculinas como é, por exemplo, a inglesa. No meu comentário televisivo eu usei expressões ofensivas como "politiqueiro", "juristas de vão de escada" e "palhaçada jurídica" que não têm fácil tradução em inglês.

Uma das expressões ofensivas mais frequentemente utilizadas pelos portugueses - a segunda, de acordo com o Ministério Público - é a expressão "filho da puta". Esta expressão existe em inglês e com um carácter igualmente ofensivo: "son of a bitch". Porém, quando chegamos à expressão ofensiva mais utilizada pelos portugueses - "Vai para o caralho!" - pura e simplesmente não existe tradução para inglês.

Não é que me falte vontade, mas se, a partir daqui, eu disser à Cuatrecasas "Go to the cock!" é duvidoso que mesmo os advogados ingleses da sociedade se sintam ofendidos. 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (157)

(Continuação daqui)



157. Só da Cuatrecasas eram cinco


Eu estou a prolongar esta história até ao episódio 1000 para a deixar aos meus netos. Para que eles um dia possam contar aos seus próprios netos esta história de heroísmo do seu trisavô.

Já estou a imaginar o diálogo.

-O vosso trisavô era um homem muito valente...

-Era, avô, era? ... Conta lá... conta lá...

-Certa vez apareceram-lhe pela frente uma dúzia de advogados - imaginem, uma dúzia! - só da Cuatrecasas eram cinco... (cf. aqui)

-Da Cuatrecasas, avô, aqueles amigos da máfia russa, avô? (cf. aqui)

-Sim, esses mesmo, só da Cuatrecasas eram cinco...Cinco!...

-E o trisavô aguentou!?...

-Eram doze advogados ao todo e ainda traziam mais uns ajudantes com baldes para apanhar o sangue... uma delas até chegou a secretária de Estado...imaginem, a secretária de Estado... aquilo era tudo gente graúda... (cf. aqui)

-E o trisavô sozinho?

-O trisavô sozinho... doze advogados ... só da Cuatrecasas eram cinco!... mais três ajudantes... e ainda sete mercenários contratados pela Cuatrecasas... três juízes e quatro procuradores do Ministério Público... Foi esta malta toda que avançou sobre o trisavô aos gritos "Há crime ... há crime!..."

-Todos ao mesmo tempo, avô?

-Todos aos mesmo tempo!.. E o trisavô, qual Dartagnan, sozinho, espada em punho, também aos gritos "Não há crime..., não há crime!...", foi-se a eles...  foi uma coisa horrível de se ver... havia sangue por todo o lado...

-Sangue, avô?

-Sim...sangue...muito sangue...dos dois lados... às tantas dois dos juízes mercenários com um golpe de espadachim abriram o peito do trisavô ao meio... era um mar de sangue...

-E ele morreu!?

-Não!... mas ficou com uma cicatriz de vinte centímetros no peito...

-E como é que o trisavô fez, avô!?

-Levantou-se... agarrou nas costelas de um lado e do outro e fechou o peito outra vez... em seguida pegou na espada e voltou a lutar... Não esqueçam que eram doze advogados do outro lado... só da Cuatrecasas eram cinco...

-E, no fim, quem ganhou?

-Ganhou o trisavô... reduziu aquela gajada toda a pó...

-Esses da Cuatrecasas, avô, eram aqueles que o trisavô dizia que andavam a 400 à hora? (cf. aqui)

-Esses mesmo... a 400 à hora... embora alguns deles só pegassem de empurrão...  (cf. aqui)   


(Continua acolá)

06 maio 2024

A Decisão do TEDH (156)

 (Continuação daqui)




156. Não há parvos em Estrasburgo


Cito da decisão do TEDH (cf. aqui), traduzida em português:


105. Quanto ao valor de EUR 18.924 reivindicado em relação aos custos do processo perante este Tribunal (ver parágrafo 101 acima), tendo em conta os documentos apresentados pelo requerente que descrevem as tarefas desempenhadas pelo seu advogado e a quantidade de tempo gasto mais informações sobre a taxa horária, o Tribunal considera que o valor reivindicado parece ser excessivo, tendo em conta as circunstâncias económicas atuais e os exemplos da sua jurisprudência. Da mesma forma, considera que o número de horas reivindicadas para certas tarefas parece estar inflacionado, tendo em vista a natureza da queixa apresentada pelo requerente nos termos do Artigo 10 da Convenção e o uso recorrente de cópias literais de passagens da jurisprudência do Tribunal (ver, mutatis mutandis, Karácsony e Outros, citados acima, § 190, e Marcinkevičius v. Lituânia, não. 24919/20, § 103, 15 de novembro de 2022).

106. O Tribunal, tendo em conta as considerações acima e as informações na sua posse, considera razoável conceder ao requerente EUR 5.000 pelos custos e despesas incorridos perante este Tribunal, mais qualquer imposto que possa ser cobrado ao requerente (ver, mutatis mutandis, SIC – Sociedade Independente de Comunicação, citado acima, § 79).

(Continua acolá)


A Decisão do TEDH (155)

 (Continuação daqui)



155. O parvo


Vai para um mês, eu estava a falar com um advogado que tinha um interesse directo na conversa, e que me dizia  que já há por aí advogados a pedir 400 euros à hora.

Eu achei engraçado que já houvesse advogados no país a ganhar em quatro horas aquilo que o português médio ganha num mês (1600 euros) e pensei que não deviam ser da Cuatrecasas porque os advogados da Cuatrecasas não prestam para nada. Até eu, que sou economista, meti meia dúzia deles (cf. aqui) no bolso de uma só vez no seu próprio campo - o do  Direito -, eles a dizerem que havia crime e eu a dizer que não havia crime nenhum (cf. aqui). E depois, foram sete juízes de Estrasburgo (não foi um nem dois, foram sete) a dizer que quem tinha razão era eu.

Acabei por responder: "Pois, pedir 400 euros à hora não custa nada. Custa é imaginar o parvo que os dá" e a conversa ficou por ali. A cultura de impostura vigente na justiça em Portugal - pensei -, permite a qualquer meliante dizer a maior brutalidade com a máxima candura.

Até que hoje tive um sobressalto, depois de escrever o último post (cf. aqui). "Aquilo era bem capaz de ser verdade. E eu era bem capaz de ter descoberto o parvo!"

Nesse post, o Ministério das Finanças era descrito como tendo recentemente contratado a Cuatrecasas por ajuste directo para tratar de um assunto relativo à falência do BES pelo valor de 2,25 milhões de euros. E isto em cima de um outro ajuste directo, este do Banco de Portugal à Cuatrecasas, para tratar de um assunto relativo à falência do Banif, pelo valor de 2,2 milhões de euros (cf. aqui).

Quer dizer, num curto espaço de tempo, o Estado português - através do Ministério da Finanças e do Banco de Portugal, a quem os contribuintes portugueses já pagam grandes departamentos jurídicos - adjudicou directamente, sem concurso público, à Cuatrecasas contratos de prestação de serviços jurídicos no valor de 4,45 milhões de euros. 

Nas grandes sociedades de advogados, uma boa parte do trabalho é feito por advogados estagiários que praticamente não ganham nada, pelo que um preço médio por hora de 100 euros já é muito generoso. Mesmo a esta "modesta" taxa, a Cuatrecasas factura em dois dias de trabalho (16 horas) de um seu advogado aquilo que o português médio só consegue facturar ao seu patrão num mês inteiro.

A este preço, a Cuatrecasas irá trabalhar para o Ministério das Finanças e para o Banco de Portugal, para tratar de dois dossiers apenas, um total de 44 500 horas (quarenta e quatro mil e quinhentas horas). É obra! 

A 400 euros a hora, dá um número mais moderado, mas ainda assim uma brutalidade: 11 125 horas (onze mil cento e vinte cinco horas).

É muita hora, carago!

O parvo estava encontrado. 

O que é que isto tem que ver com a decisão do TEDH?

Muito. Não há parvos em Estrasburgo (cf. post seguinte) 

(Continua acolá)

O MÉDICO-MASSA

 O MÉDICO-MASSA


“A REVOLTA DAS MASSAS” – Ortega y Gasset, 1930 – facilitou o acesso do “homem-massa” às profissões liberais, tradicionalmente confiadas a elites intelectuais e consideradas, até ao século XVIII, uma espécie de “pequena nobreza”.

 

Essa nobreza exigia do homem de elite um comportamento excepcional (noblesse oblige) que Goethe definia como a procura da ordem e da lei, por oposição ao comportamento do homem vulgar ou homem-massa, devotado a gostos plebeus.

 

Essa ascensão do homem-massa acompanhou o “especialismo” do conhecimento e o aparecimento dos técnicos ignorantes. Isto é, conhecedores da sua área especifica, mas profundamente ignorantes de quem são e do seu lugar no mundo. Ortega y Gasset referiu-se a este fenómeno como “a barbárie do especialismo”.

 

A mediocridade intelectual do homem-massa nunca lhe permitiria aceder ao verdadeiro conhecimento, do qual ele não tem curiosidade e até desdenha. Mas a democracia popular e o especialismo abriram-lhe as portas das faculdades de medicina, direito, engenharia e letras.

 

Abel Salazar (1889 – 1946) já se referia a este fenómeno quando afirmou que “O médico que só sabe medicina, nem de medicina sabe”.

 

As aspirações de homem-massa, focadas no consumismo e no egocentrismo, transformaram o perfil das profissões liberais. Os médicos dessas classes sociais passaram a focar-se mais nos aspectos materiais do que nos intelectuais e a servirem-se dos doentes, mais do que a servirem os doentes.

 

A quem frequenta os hospitais não escapa o exibicionismo bacoco dos especialistas, com os seus Porsches e Mercedes, com os seus Rolexes e os seus smartphones de última geração. As médicas montadas em sapatos com Stilettos de 15 cm e carteiras da Hermès.

 

Dois breves episódios da minha experiência pessoal:

 

— Ofereci um ensaio de filosofia a alguns colegas, por gentileza. O primeiro disse-me com uma gargalhada: “Tu interessas-te por filosofia? Isso é para quem já não tem tesão”.

 

— Imprimi um artigo que tinha publicado numa revista médica internacional a um colega anestesista que me pareceu interessado no Covid. Pegou no artigo, rasgou-o na minha frente e disse-me: “Põe a máscara e deixa-te destas merdas”.

 

A superficialidade é outra marca dos médicos-massa. Discutem o enredo da Casa dos Segredos como se fosse um assunto de Estado e arrastam o Jogo e a Bola debaixo do braço como se fosse o New England Journal of Medicine.

 

O conformismo dos médicos durante a tragédia da Covid é outra prova indiscutível da ascensão do homem-massa na medicina. Falta de sentido crítico, conformismo, falta de curiosidade e falta de responsabilidade, são tudo estigmas do médico-massa.

 

Situação que infelizmente se estende a todas as outras profissões liberais e que, apesar de tudo, tem honrosas exceções.

A Decisão do TEDH (154)

(Continuação daqui)


Sede da Cuatrecasas em Lisboa (o meu dinheiro deve ter servido pelo menos para pagar uma cadeira: cf. aqui)


154. Sem abrir qualquer concurso público


Sob o título "Medina dá 2,8 milhões de euros à Cuatrecasas por ser 'unica' mas afinal contrato permite subcontratação", diz um artigo do passado mês de Fevereiro do Página Um: 


O ainda ministro das Finanças, Fernando Medina decidiu contratar por quase 2,8 milhões de euros a sociedade de advogados Cuatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, sem abrir qualquer concurso público, com vista a representar o Estado português num diferendo em tribunal arbitral com três fundos das ilhas Maurícias que terão perdido 260 milhões de euros durante o processo de resolução do Banco Espírito Santo. (...)

Porém, mais grave ainda é a justificação para a opção pelo ajuste directo, com a qual a Cuetrecasas vai ‘sacar’ ao erário público quase 2,8 milhões de euros sem sequer necessitar provar ser a melhor ou apresentar a mais favorável relação qualidade-preço em concurso público. De acordo com o contrato escrito, para a aquisição sem concurso público do patrocínio judiciário à Cuatrecasas no âmbito do diferendo arbitral, a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças invocou uma excepção que permite ajustes directos em caso em que “não exista concorrência por motivos técnicos”. (...)

Fonte: cf. aqui

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (153)

 (Continuação daqui)




153. O negócio do crime


O Ministério Público está finalmente sob escrutínio em Portugal (cf. aqui).

Já em 2017 eu lhe tinha dado o nome de "Diabo à Solta" (cf. aqui), o caluniador por excelência e sem qualquer controlo.

É a primeira prioridade para a reforma do sistema de justiça em Portugal. Outras corporações se seguirão como a Ordem dos Advogados e as grandes sociedades de advogados.

Estão no centro do negócio do crime, um dos negócios mais prósperos que existem hoje em Portugal.

O Ministério Público possui um dos mais danosos monopólios do Estado, que é o monopólio da acusação criminal. Nesta capacidade, ele produz crimes (frequentemente falsos, como sucedeu no meu caso) que depois alimentam a indústria da advocacia durante anos a fio.

A Cuatrecasas, por exemplo, já tem mais de 220 advogados somente em Portugal (cf. aqui) e o número não pára de aumentar (cf. aqui), ocupa um dos mais caros edifícios do centro de Lisboa, e o seu negócio cresce à impressionante taxa de mais de 30% ao ano (cf. aqui).

Ameaça tornar-se um Estado dentro de outro Estado ou - segundo outros têm sugerido - uma máfia dentro do Estado cujo principal objectivo, como o de todas as máfias, é a extorsão (como o meu caso ilustra).

(Continua acolá)

O CÃO-MASSA

 O CÃO-MASSA

 

“É possível tirar o lobo da selva, mas não é possível tirar a selva do lobo”



O João tinha adoptado o Bit quase por imposição das netas que amavam os huskies siberianos, a raça de cães que mais faz lembrar os lobos. Com uma pose selvagem e um olhar penetrante, os huskies seduzem com facilidade os amantes da natureza. Adoram correr, saltar, apanhar bolas e até nadar; são atletas naturais.

 

O Bitinho, como lhe chamávamos, era um bebé adorável, fofinho e ternurento, com um apetite insaciável e uma boa disposição que nos encantava e fazia as delícias das miúdas.

 

Em cerca de dois anos, o Bitinho cresceu um montão e transformou-se no Bitão – um lobão com mais de trinta quilos e uma força física de campeão olímpico. As miúdas, entretanto, cansaram-se da novidade e deixaram o animal ao inteiro cuidado do avô.

 

O João, com bastante tempo livre, tinha adoptado uma rotina própria. Saía de manhã para as compras e para passear o Bit, almoçava, tirava um descanso e dava outra volta ao fim-do-dia.

 

O almoço tinha-se tornado complicado porque o Bitão exigia partilhar a refeição do João e rosnava ameaçadoramente quando este não lhe fazia a vontade. Era ver o animal a arreganhar-lhe os dentes em tom ameaçador e a trepar à mesa para chegar aos alimentos.

 

‹‹Que Diabo, o animal deve estar farto dos “croquetes”›› – pensava o João, que passou a comprar bocados de carne e fígado de vitela para o Bit. O cão abocanhava tudo rapidamente, mas ainda se atirava ao almoço do avozinho. Era vê-lo com a boca ensanguentada a aproximar-se da mesa de jantar à procura de petiscos.

 

À noite o João tinha por costume sentar-se no sofá a ver o noticiário da RTP, mas o Bit começou a fazer questão de ocupar o seu lugar e de lhe rosnar se ele se aproximasse. ‹‹O animal também tem direito a descansar›› – pensava o João, que também estava farto da treta dos “comentadeiros”.

 

O avô passou a deixar o Bit no sofá e a ir mais cedo para a cama, na companhia do seu querido Tolstói, para meditar sobre a pobreza e sobre o papel do Estado. ‹‹Se eu fosse mais novo tornava-me anarquista›› – pensava o João.

 

Num dia de Inverno, de chuva e trovoada, o Bit apareceu no quarto e atirou-se para a cama. O João compreendeu que o animal estava espavorido e permitiu-lhe que partilhasse o leito. Foi um hábito que se entranhou, pois o Bit passou a preferir a cama ao sofá.

 

O problema é que não demorou até o animal expulsar o João do quarto e obriga-lo a dormir no sofá, o que para a sua provecta idade era um verdadeiro suplício.

 

A rotina impôs-se, mas ao contrário das expectativas do João, quem a impôs foi o Bit. Acordava pelas seis da matina e obrigava o João a levá-lo à rua, não prescindia da sua dose cavalar de carne ensanguentada e desfrutava, à sua bela disposição, de toda a casa.

 

O Bit exibia o comportamento bárbaro dos seus ancestrais antepassados, sem qualquer respeito por hierarquias ou princípios. A sua vontade era a lei da casa e ao João restava-lhe o papel de escravo. O Bit, pela força bruta, tudo dominava à sua volta.

 

Sem qualquer capacidade de compreender a sua situação de dependência, o Bit acreditava num futuro eterno de bem-estar e abundância, sem abranger que tudo dependia do João.

 

Numa fria manhã de Dezembro, o Bit arrastou o João para o seu passeio matinal, mas ao descerem apressadamente as escadas, o animal tropeçou no avô que caiu e ficou inerte no chão.

 

O Bit aguardou surpreendido ao seu lado, viu chegar uma ambulância do INEM que levou o João, sem que ninguém lhe tivesse prestado atenção. 

 

Com o seu comportamento habitual de macho alfa, o Bit regressou a casa e deitou-se ao lado da gamela à espera da carne...

05 maio 2024

A Decisão do TEDH (152)

(Continuação daqui)




152. O agradecimento

Há pensamentos que ficam para sempre.

Como este: "Reitero que o agradecimento é a mais alta forma de pensamento e que a felicidade mais não é do que a gratidão duplicada pelo espanto."  (G.K. Chesterton)

Aos 64 anos de idade, que era a idade que eu tinha em 2018, nunca tinha visto o mal.

Vi-o pela primeira vez no Tribunal de Matosinhos.

Na nossa cultura cristã, o mal é representado pela figura do Diabo, que é a figura teológica do caluniador (cf. aqui).

Aos 64 anos de idade, eu nunca tinha visto o Diabo.

Vi-o pela primeira vez no Tribunal de Matosinhos. 

Estava na cara do Papá Encarnação, dos advogados da Cuatrecasas, do magistrado do Ministério Público e do próprio juiz. 

Quero agradecer a Deus por o ter conhecido tão tarde.


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (151)

 (Continuação daqui)



151. Artes


Eu estive anos a aguardar a decisão do TEDH e a alimentar o assunto neste blogue para poder proclamar hoje, sem qualquer sombra para dúvidas, que a Cuatrecasas é uma corporação criminosa.

Acusou um inocente, manipulou  a justiça para condenar um inocente, extorquiu um inocente e enriqueceu ilegitimamente à custa de um inocente. 

Uma acusação feita por uma das maiores sociedades de advogados da Europa que resulta numa condenação anulada por unanimidade de sete juízes do TEDH, não é uma questão de justiça. É uma questão de criminalidade utilizando o sistema de justiça.

Durante este tempo, eu fui observando com espanto o portal Base (cf. aqui) e a facilidade com que instituições públicas, o Banco de Portugal acima de todas, mais recentemente também o Ministério das Finanças, adjudicavam contratos, às vezes milionários, por ajuste directo à Cuatrecasas, numa actividade económica de papel e lápis (actualmente, de dedo e computador).    

Já não falo como vítima da actividade criminosa e extorsionária  da Cuatrecasas. Falo, agora, na qualidade de contribuinte. Eu ressinto todo o cêntimo que o Estado português paga à Cuatrecasas, ainda por cima por ajuste directo. Eles manipulam a contratação pública da mesma forma que manipulam a justiça.

O caso do Banco de Portugal é paradigmático. Dispondo esta instituição de uma grande departamento jurídico, a Cuatrecasas tem artes para lhe sacar contratos de milhões por ajuste directo, artes que, à parte uma outra excepção, mais nenhum concorrente tem.

Cito de um artigo recente do jornal Página Um com o título "Banco de Portugal: Cuatrecasas é incompetente para tratar dossier Novo Banco mas já é a única capaz de tratar dossier Banif":

No dia 27 de Outubro, o Banco de Portugal fez um ajuste directo com a Vieira de Almeida, considerando, sem se preocupar em fundamentar, que era a única capaz de a assessorar no dossier Novo Banco; mas três dias depois, tacitamente, passou-lhe um atestado de incompetência ao entregar um outro ajuste directo à Cuatrecasas, para assessoria ao dossier BANIF. A mesma Cuatrecasas tinha, implicitamente, sido considerada incapaz de tratar do dossier Novo Banco, daí nem sequer lhe ter sido dada oportunidade de mostrar as suas capacidades em concurso público. Pior, contudo, estão centenas e centenas de sociedades de advogados, sistematicamente incapacitados a participarem em concursos públicos, porque o regulador de Mário Centeno sempre invoca a inexistência de concorrência por “motivos técnicos” para ir entregando ajustes directos de milhões de euros de uma assentada sempre aos mesmos – leia-se: quase sempre à Vieira de Almeida e à Cuatrecasas.

Fonte: cf. aqui


(Continua acolá)

04 maio 2024

A Decisão do TEDH (150)

 (Continuação daqui)

Foi assim, como um castelo de cartas, que a Cuatrecasas caiu  em 2015, na visão do cartoonista Fernando Arroja


150. Annus horribilis


O ano de 2015 foi um annus horribilis para a sociedade de advogados Cuatrecasas, com sede em Barcelona, Espanha.

A sociedade tinha acabado de comemorar o seu primeiro centenário e seguia já na terceira geração, presidida por Emílio Cuatrecasas, o neto do fundador, que sucedeu ao pai, também de nome Emílio, e ao avô, Pedro Cuatrecasas.

Nesse ano, a sociedade, que se tinha especializado, desde a sua fundação, em questões de natureza fiscal viu o seu presidente ser condenado a dois anos de prisão por fuga ao fisco. 

É de imaginar a vergonha, uma sociedade que cobra altíssimos honorários para permitir aos seus clientes mais ricos, como Lionel Messi, minimizarem os impostos, é apanhada, na pessoa do seu próprio presidente, a passar a linha vermelha e a acabar na prisão (a pena seria mais tarde comutada em multa de quatro milhões de euros).

Deixemos a imprensa espanhola falar:

"Era una de las denominadas togas de oro de Barcelona: Emilio Cuatrecasas había montado uno de los bufetes de capital español más importantes. Pero ha caído de la peor manera posible para sus asociados. Acepta una condena por delito fiscal, precisamente una de las especialidades de Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, el segundo despacho legal de España por facturación y número de abogados". (cf. aqui)

No mesmo ano, azar dos azares, como se já não bastasse, o presidente Emílio Cuatrecasas é denunciado pelo Banco Madrid  às autoridades espanholas por suspeita de branqueamento de capitais, em causa uma transferência bancária envolvendo vários milhões de euros. Ainda a imprensa espanhola:

"Banco Madrid emitió 18 alertas desde 2012 a 2015 al Servicio de Prevención de Blanqueo de Capitales (Sepblac), dependiente del Ministerio de Economía, sobre clientes sospechosos o movimientos de dinero que merecían un control. Entre las alertas saltó el nombre del abogado Emilio Cuatrecasas (...) (cf. aqui)

Mas o pior do ano de 2015 para a Cuatrecasas estava para vir, e foi recordado três anos depois, de forma dramática, por dois advogados da sociedade, José de Freitas (cf. aqui) e Quequé (cf. aqui) num dos centros judiciários mais importantes da Europa, o Tribunal de Matosinhos. 

A tragédia foi a seguinte. Se Pedro Cuatrecasas tinha sido o fundador da sociedade cem anos antes em Barcelona, um outro Pedro, este a partir dos estúdios de uma grande cadeia de televisão localizada na Senhora da Hora, um bairro de Matosinhos, que ficaria internacionalmente conhecido por Lady of the Hour, iria desferir-lhe o golpe fatal.  

Já tinham caído os escritórios da Cuatrecasas em Barcelona, Lisboa, Madrid, Buenos Aires, Caracas, Bruxelas, Cidade do México e outras grandes capitais mundiais. Só faltava o escritório do Porto, a grande capital do noroeste peninsular, onde ainda resistiam meia-dúzia de gatos pingados da Cuatrecasas.

Numa bela manhã de Maio, o mundo acordou assustado com a notícias transmitida por uma das maiores cadeias internacionais de televisão, o Porto Canal (cf. aqui):

Pedro Arroja abre guerra a Paulo Rangel,

que era o director do escritório do Porto da Cuatrecasas, o qual - segundo ele próprio declararia mais tarde em tribunal -, raramente lá punha os pés e não sabia o que lá se passava (havia rumores que, na sua ausência, os advogados e advogadas da Cuatrecasas, fazendo uso do ditado popular "Patrão fora, dia santo na loja", se entregavam à prática do sexo em grupo: cf. aqui)

A tragédia estava pronta a consumar-se.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (149)

 (Continuação daqui)



149. Efeméride


Faz hoje seis anos que decorreu a mais memorável sessão do meu julgamento no Tribunal de Matosinhos - a quinta - em que eu fiquei com a certeza de que estava tudo feito para me condenar. Faz hoje também anos (29) que faleceu o meu pai.

Tudo isso eu deixei na altura registado neste blogue (cf. aqui). Quanto à mãe do magistrado X, cujo falecimento me foi dado como explicação para a sua ausência da sessão do julgamento, não, não morreu nada nesse dia. Era mentira, como noventa e tal por cento das coisas que eu ouvi naquele tribunal.

Ao intervalo da primeira sessão do julgamento, a 6 de Fevereiro de 2018, depois de eu ter falado, uma das minhas cunhadas, disse-me a sorrir: "Eh pá! Parecias o teu pai a falar...".

O meu pai foi sempre uma figura muito importante para mim neste processo, a tal ponto que lhe dediquei a decisão do TEDH (cf. aqui). Tinha-me custado imenso ter de dizer o nome dele e da minha mãe logo no início do julgamento, e disso dei conta ontem (cf. aqui). Foi como se ele, logo desde esse momento, me interrogasse permanentemente com um simples olhar, o olhar de quem pergunta:

-Tu vais-te deixar humilhar por esses miseráveis?

É que ele, de certeza, não se teria ficado.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (148)

 (Continuação daqui)




148. O pagamento em sentenças


Um dos juízes que me condenou no Tribunal da Relação do Porto passou a sua vida a litigar dentro do sistema de justiça visando intimidar e enriquecer na sua condição de insider e aproveitando as vantagens que a sua posição de juiz lhe conferia sobre as partes opostas.

Num dos casos a vítima processual do juiz é uma senhora (por sinal, também juíza), cujo advogado, em certo momento dos autos, e de uma forma  que parece não ser nada inocente, diz que o juiz recorre a conhecidos escritórios de advogados. 

110º Nem tão-pouco [a ré, Paula Sá] tem necessidade de contratar os mais conhecidos escritórios de Advogados para patrocínio da sua honra, pois que a defesa desta nunca demandou tamanha lavoura.

Num dos posts que dediquei à Economia da Criminalidade Legal (cf. aqui) eu termino perguntando como é que um juiz, que passa a vida a litigar, retribui a conhecidas sociedades de advogados?

Eu ainda hoje não sei, em concreto, qual a sociedade de advogados envolvida no caso relatado acima. Mas se tivesse de arriscar um nome, eu não hesitaria um minuto.

Um juiz que recorre frequentemente aos serviços de uma grande sociedade de advogados não tem de lhe pagar em dinheiro. Pode fazer o pagamento em sentenças.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (147)

 (Continuação daqui)




147. Cristina Segui

Eu não partilho necessariamente as teses conspiratórias da jornalista espanhola Cristina Segui.

Porém, o vídeo dela leva-me a colocar uma pergunta muito semelhante àquela que o magistrado José Grinda colocou numa reunião internacional em Washington: "Por qué Cuatrecasas defiende constantemente a miembros de la mafia rusa?" (cf. aqui)

A minha pergunta é a seguinte:

-Por que é que a Cuatrecasas aparece frequentemente relacionada com conspirações mafiosas?

Veja o que Cristina Segui tem para dizer da Cuatrecasas a partir do min. 5:30 : cf. aqui.

O meu caso é um exemplo. Sete juízes do TEDH dizem que eu não cometi crime nenhum contra a Cuatrecasas ou contra o seu director. No entanto, em Portugal, eu fui condenado em primeira instância e a sentença ainda foi agravada em segunda instância.

Eu não acredito em bruxas, pero que las hay, las hay.

(Continua acolá)

03 maio 2024

A Decisão do TEDH (146)

 (Continuação daqui)




146. Dia da Mãe


Eu vou agora revelar qual foi o momento de maior humilhação que recebi em todos este processo.

Foi no dia 6 de Fevereiro de 2018, o primeiro dia do meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, logo no início da sessão, no momento da identificação do réu quando, eu de pé, o juiz me perguntou o nome do meu pai e da minha mãe.

Respondi:

Manuel Lopes Arroja e Alzira Rodrigues de Almeida Arroja.

E, em seguida, pensei: "Eles não eram para aqui chamados. Um dia vocês irão pagar tudo isto"

Era  a mais simples homenagem que eu poderia prestar aos meus pais naquele momento. Eles não eram pais de um criminoso, como a decisão do TEDH, por unanimidade de sete juízes, veio agora confirmar.

Os criminosos eram outros, incluindo o juiz. 

A Decisão do TEDH (145)

 (Continuação daqui)



145. A vítima

Pela segunda vez em pouco mais de um mês Portugal foi esta semana condenado pelo TEDH por violação do direito à liberdade de expressão (cf. aqui).

Em causa, uma notícia relativa a uma investigação que estava sob segredo de justiça (cf. aqui).

O Ministério Público é o maior violador do segredo de justiça mas tenta passar a fama para cima dos jornalistas.

A vítima do Ministério Público e da justiça portuguesa foi agora a jornalista do Público, Cristina Ferreira.

Francisco Teixeira da Mota, o advogado que representou a jornalista junto do TEDH, considera esta decisão [mais] uma vergonha para Portugal "mas também para mim por não ter convencido alguma magistratura portuguesa do significado da liberdade de expressão".

(Continuação daqui)

02 maio 2024

A Decisão do TEDH (144)

 (Continuação daqui)


O momento do crime


144. Umas nalgadas

A Cuatrecasas está no centro de um dos episódios mais engraçados do acórdão do TEDH, o qual põe em confronto a cultura provinciana e anti-democrática que prevalece nos tribunais portugueses - e à qual me tenho referido com frequência - com a cultura democrática que enforma a jurisprudência daquele Tribunal Europeu.

Não será exagerado dizer que a sentença de primeira instância do Tribunal de Matosinhos proferida pelo juiz João Manuel Teixeira é uma autêntica elegia à Cuatrecasas, algo que na altura eu deixei enfaticamente registado neste blogue (cf. aqui).

A Cuatrecasas é isto e aquilo, uma sociedade com notoriedade e sabe-se lá mais o quê (cf. aqui)... Ainda se fosse a sociedade de advogados Silva & Sousa ainda é como o outro... Agora, a Cuatrecasas é uma coisa especial, uma grande sociedade...  Sim, uma grande sociedade, mas não como a TAP ou a CGD... Essas ainda eu poderia ter ofendido à vontade porque pertencem ao domínio do povo... Agora, a Cuatrecasas, cuidado, é uma grande sociedade mas só do conhecimento da elite da sociedade portuguesa, os juristas, uma espécie de joia da coroa... E por aí adiante...

Na altura, eu fiquei surpreendido pela sentença do juiz João Manuel Teixeira, tanto mais que me condenava por ofensas à Cuatrecasas, mas absolvia-me das ofensas ao Rangel. E tanto mais surpreendido quanto é certo que uma sociedade não se pode ofender, uma sociedade é uma abstracção, uma construção jurídica, que não se ofende ou deixa de ofender, é como as estrelas do céu ou as conchas do mar. Só as pessoas se podem ofender. O próprio TEDH refere que o crime de ofensa a uma sociedade é discutível (cf. aqui, § 59).

Nos meses seguintes, procurei compreender a razão desta decisão do juiz João Manuel Teixeira e cheguei a uma tese que ainda hoje mantenho. A Cuatrecasas é uma sociedade muito grande em Portugal, com muitos advogados e muita influência na Ordem dos Advogados. Ora, da Comissão que faz a avaliação e a promoção dos juízes faz parte obrigatoriamente um representante da Ordem dos Advogados. Portanto, de forma explícita ou implícita, a Cuatrecasas terá feito chegar ao juiz a seguinte mensagem: "Ou condenas esse tipo ou nunca mais serás promovido na vida".

De regresso ao acórdão do TEDH. Nos parágrafos 49 a 72, O TEDH elenca os critérios que devem ser observados para que o direito à liberdade de expressão possa prevalecer sobre o direito à honra, e eu passo-os a todos nos parágrafos seguintes. Um dos critérios é o de saber se o destinatário dos comentários é uma figura conhecida, caso em que o direito à liberdade de expressão é ainda mais amplo.

Referindo-se à Cuatrecasas, diz o TEDH, no §75 (ênfase meu):

75. (...) As to the law firm C., the domestic courts characterised it as a very well renowned law firm (see paragraph 14 above).

e remete para um parágrafo anterior, que diz assim (ênfase meu)

14. Regarding the law firm C., the Matosinhos Criminal Court held it to be a very renowned law firm known for the quality and professional expertise of its lawyers and also for their sobriety, honesty and probity, and that the applicant knew that he would damage its credibility, prestige and trust, which he had indeed done, knowing that the statements made were false.

Quer dizer, enquanto o juiz João Manuel Teixeira invoca o facto de a Cuatrecasas ser uma sociedade de advogados muito conhecida para concluir que eu não a poderia ter criticado da maneira que fiz - a velha cultura do respeitinho -, os juízes do TEDH pegam-lhe precisamente na palavra para concluírem que, sendo uma sociedade muito conhecida, está sujeita a apanhar umas nalgadas ainda mais valentes do que se não fosse conhecida de todo.   

Tudo isto tem um fim muito triste. Tudo começa por eu ter ofendido a Cuatrecasas dizendo que ela produziu um trabalho que era uma palhaçada jurídica. Mas tudo termina de uma forma muito mais dramática, com a Cuatrecasas a organizar esta palhaçada judicial que culminou no TEDH e da qual o juiz João Manuel Teixeira, infelizmente, também faz parte.

(Continua acolá)

01 maio 2024

A Decisão do TEDH (143)

 (Continuação daqui)

Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária, e Paulo Sá e Cunha, Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados


143. Uma Ordem generosa


A queixa foi apresentada por três advogados da Cuatrecasas, Paulo Rangel, em nome individual e como director do escritório do Porto da sociedade, Filipe Avides Moreira, que lhe sucedeu na direcção, e Vasco Moura Ramos. 

Os crimes eram dois, o de difamação agravada ao director da sociedade e de ofensa à própria sociedade.

Acabei condenado nos tribunais portugueses pelos dois crimes.

Mas o TEDH, numa decisão unânime de sete juízes (vale a pena repetir: "unânime de sete juízes"), diz que eu não cometi crime nenhum, apenas exerci o meu direito democrático à liberdade de expressão (cf. aqui).

Naturalmente, queixei-me à Ordem dos Advogados (cf. aqui). Eu punha à Ordem uma questão em aberto, deixando que ela própria se pronunciasse se havia ou não razão para agir.

Na minha opinião, havia e não era pouca. 

Embora eu considerasse que tinha havido crime, uma acção concertada para me condenar, um complot mafioso arquitectado pela Cuatrecasas - baseando-me no velho adágio popular "Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és" (cf. aqui) - infracção disciplinar, na forma de grossa incompetência, pelo menos isso, de certeza, havia.

Compete à Ordem garantir  a qualidade dos serviços de advocacia prestados aos cidadãos - que é para isso que o Estado português lhe defere parte do seu poder soberano -, o que ela faz, designadamente, através dos célebres "Exames à Ordem" que, todos os anos, negam o exercício da advocacia a milhares de jovens licenciados em Direito, alegadamente por serem muito exigentes.

Aconteceu, porém, que dos três advogados da Cuatrecasas que me acusaram, cujo número aumentou para cinco durante o julgamento (cf. aqui), aparentemente nenhum deles conhecia a jurisprudência relativa ao conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra. Eles insistiam que havia crime e até eu, que sou economista, desde o início disse que não havia crime nenhum, que era um caso-de-escola de mero exercício da liberdade de expressão (cf. aqui), uma certeza que reiterei nas vésperas da decisão do TEDH (cf. aqui). 

O TEDH deu-me razão - e não me canso de repetir - deu-me razão por unanimidade de sete juízes. Era eu que sabia de Direito e eles não sabiam nada, e nem sequer alguma vez passei o "Exame à Ordem".

Perante isto, a Ordem respondeu-me que fosse contratar um advogado (cf. aqui).

Ora, eu nunca tive dúvidas que a Ordem não tinha poderes criminais sobre os seus membros, agora poderes disciplinares eu tinha a certeza que possuía. Como se comprovou esta semana, e é uma das notícias do dia:

"Advogados da Máfia de Braga expulsos da Ordem após crime macabro" (cf. aqui).

A Ordem dos Advogados, através do seu órgão máximo de disciplina - o Conselho Superior -, que é presidido por um advogado posto lá pela Cuatrecasas (cf. aqui), decidiu agora expulsar dois advogado-homicidas condenados em 2017 à pena máxima de 25 anos de prisão efectiva por terem assassinado um empresário de Braga cujo corpo diluíram depois em ácido sulfúrico.

É importante notar este detalhe, e não é o do ácido sulfúrico: os advogados estão na prisão desde 2017 e a Ordem expulsou-os agora, embora não de qualquer maneira - mas oficialmente através do um edital, quer dizer, com toda a pompa e cumprindo todas as formalidades legais.

Eu nunca vi Ordem de Advogados tão generosa como esta. Permite até a dois refinados e consumados criminosos  praticarem a advocacia durante sete anos a partir da prisão.

Imagina-se quantos andarão por aí à solta. 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (142)

 (Continuação daqui)

Duas dezenas de advogados da Cuatrecasas (à direita) defendem 17 membros da máfia russa (ao fundo) num tribunal espanhol em Fevereiro de 2018 
(Fonte: cf. aqui)


142. Por que será?

Foi uma coincidência.

No mesmo mês de Fevereiro de 2018 em que começou o meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, no qual a Cuatrecasas viria a conseguir extorquir-me alguns milhares de euros (cf. aqui) e a fazer de mim um criminoso (cf. aqui) - um duplo feito que o TEDH veio agora anular por unanimidade de sete juízes -, duas dezenas de advogados da Cuatrecasas defendiam num tribunal de Espanha 17 membros da máfia russa (cf. aqui).

Anos antes, em documentos revelados pelo Wikileaks, numa reunião internacional de magistrados do Ministério Público que teve lugar em Washington, o magistrado espanhol, José Grinda, é citado a perguntar retoricamente: "Por qué Cuatrecasas defiende constantemente  a  miembros de la máfia rusa?" (cf. aqui)

Por que será?

(Quem adivinhar ganha um chocolate)

(Continua acolá)

O MONUMENTO

O MONUMENTO (1º capítulo de um livro que iniciei sobre o nascimento do homem-massa português)

 

1.

 

O soldado português não tem igual

Porque “o povo unido jamais será vencido”

E o exército é o povo de Portugal.

Nada no mundo que seja parecido!

(Anónimo 1974)

 

Na base do monumento que se desmoronou no Largo do Carmo, em Lisboa (1976), podia ler-se este singelo enaltecimento do povo português às suas forças armadas; uma quadra de autor anónimo que surgiu nos manjericos das festas populares de 1974.

 

O Largo do Carmo foi o epicentro do golpe de estado de 25/4/1974 porque foi lá, no aquartelamento da GNR, que se refugiou o então primeiro-ministro Marcelo Caetano, logo cercado pelo exército, comandado pelo excelso capitão Salgueiro Maia. A rendição do Marcelo Caetano selou então a vitória do pronunciamento do Movimento das Forças Armadas – MFA – e entregou o poder ao General Spínola e à Junta de Salvação Nacional.

 

Tinha terminado um regime político execrável que esmagou o povo português com punho de ferro, sob o lema: “Deus, Pátria e Família”. Um regime bolorento que perpetuou o colonialismo, amordaçou a liberdade e sufocou a cultura.

 

Salazar perdurou a miséria e o analfabetismo da população, em benefício das corporações, que exploravam todos os recursos e escravizavam os trabalhadores. Os intelectuais tinham emigrado e os que ficaram retinham (alegadamente) as suas obras na gaveta, com receio de ir parar ao Tarrafal.

 

Esta era, pelo menos, a narrativa oficial. O País, porém, durante os 41 anos do Salazarismo, cresceu a uma média anual de 5,7% e o analfabetismo foi energicamente combatido e minorado. Por fim, a repressão política era quase simbólica; no dia 25 de Abril restavam 88 presos políticos nas cadeias portuguesas.

 

As massas sentiam-se abafadas pela autoridade que as elites sobre elas exerciam. Os padres, os professores, os médicos, os gestores e os empresários, tinham em pouca conta as sensibilidades da populaça e até as ridicularizavam no cinema e no teatro de revista.

 

A cultura popular resumia-se aos três ff: Fado, Futebol e Fátima. E o regime explorava estas paixões para manter a população encabrestada e mansa.

 

O 25 de Abril, porém, veio pôr fim a este constrangimento salazarento, em menos de 1 semana, quando no dia 1.º de Maio de 1974 milhões de pessoas saíram à rua para celebrar a queda do regime.

 

O golpe de Estado “destapou uma panela de pressão” e libertou as massas, que aspiravam a derrubar as elites que as subjugavam. Sem o levantamento militar do 25 de Abril de 1974, teríamos tido uma verdadeira revolução, mais tarde ou mais cedo. Nesta perspetiva, o golpe susteve uma eclosão que não se adivinhava.



 

No 1º de Maio de 1974 a Junta de Salvação Nacional apresentou ao País os novos cabecilhas, que residiam no estrangeiro e que foram rapidamente transladados para Portugal, como se o golpe tivesse sido planeado ao detalhe numa estância Alpina de alto luxo. A missão destes novos chefes seria entregar as colónias à exploração das grandes multinacionais e diluir a nacionalidade portuguesa no “sonho Europeu”.

 

Tinha nascido o homem massa português, não de cópula passional, mas de sedição e de clonagem política – iríamos copiar o modelo político europeu e passar de colonizadores a colonizados em menos de um instante.